Na rede

sexta-feira, janeiro 11, 2013

The Economist e a ecologia digital: "Está tudo conectado"

Em matéria recente, a revista “The Economist” aborda as vitórias do ativismo político da rede em 2012, e busca refletir qual o significado mais amplo desta reconfiguração que as ferramentas de participação em rede tem causado no mundo da política:

Quando dezenas de países se recusaram a assinar um novo tratado global sobre governança da Internet no final de 2012, uma vasta gama de ativistas se alegrou. Eles enxergaram neste tratado, elaborado sob os auspícios da União Internacional de Telecomunicações (UIT), intenções em dar poderes perniciosos à governos para interferir no acesso e censurar a internet. Durante meses, grupos com nomes como “Acesso Agora” (Access Now) e “Luta pelo Futuro” (Fight for the Future) fizeram campanha contra o tratado. Seu lobby foi por vezes hiperbólico. Mas esta defesa bombástica também foi parte da razão pela qual o tratado foi rejeitado por muitos países, incluindo os Estados Unidos, e assim, invalidado.
O sucesso na conferência da UIT em Dubai encerrou um grande ano para os ativistas on-line. Em janeiro eles ajudaram a derrotar no Congresso dos EUA a legislação anti-pirataria patrocinada por Hollywood , mais conhecido pela sigla SOPA. Um mês depois, na Europa, eles se voltaram contra o ACTA, um tratado internacional obscuro que, na tentativa de fazer valer direitos de propriedade intelectual, presta pouca atenção à liberdade de expressão e à privacidade. O Brasil chegou mais perto do que muitos teriam acreditado possível em garantir uma inovadora carta de direitos da internet, o “Marco Civil da Internet”. No Paquistão os ativistas ajudaram a postergar, talvez permanentemente, os planos para um firewall nacional, e nas Filipinas fizeram campanha contra uma lei de cibercrimes, que a Suprema Corte veio a retirar de pauta.

Ambientalismo para a rede 

Para explicar este novo cenário, a matéria põe em foco a narrativa do Prof. James Boyle, especialista em direito autoral da Universidade de Duke, na Carolina do Norte. Boyle é conhecido como o ‘pai’ do ‘ambientalismo para a rede’, desde que em 1997 lançou o termo no texto ‘A Politics of Intellectual Property: Environmentalism For the Net?‘. Seriam os ativistas da rede os ‘Novos Verdes’?
O debate e a discordância sobre as questões levantadas pela disseminação da tecnologia da informação não são novas. Nos anos 1990 grupos de liberdades civis, incluindo o pioneiro Electronic Frontier Foundation (EFF), fizeram campanha contra o Communications Decency Act, parte do qual foi eventualmente derrubada pela Suprema Corte dos Estados Unidos. Hoje todos os cantos do universo digital tem o seu grupo de interesse próprio: grupos de consumidores defendem a privacidade online; hackers rejeitam patentes de software de longo alcance; pesquisadores empurram para o acesso aberto às revistas científicas on-line; defensores da chamada transparência forçam os governos a abrir seus cofres de dados — ou a ter a abertura em suas próprias mãos.
Como analogia, Boyle sugere que houve uma diversidade semelhante na gênese do movimento ambientalista, nos anos 60. Alguns procuravam limpar o rio Hudson, outros buscaram interromper o desmatamento na Tasmânia, ou proibir testes nucleares. Mas como o falecido ambientalista americano Barry Commoner colocou: “A primeira lei da ecologia é que tudo está ligado a tudo o resto”. Assim como foi para o meio ambiente, ficou para o ambientalismo. Ao longo dos anos 1960 e 1970, preocupações díspares foram agregadas em um único movimento, que por vezes apresentou consistência duvidosa, mas que de fato passou a exercer poder real.
A internet não é nada se não um exercício de interconexão. Sua política parece, assim, chamar para uma convergência semelhante, e as conexões entre os diferentes grupos de interesse que compõem o ativismo digital estão realmente ficando mais fortes. Para além das relações específicas, eles também compartilham o que Manuel Castells, sociólogo espanhol, chama de “cultura da internet”, um equivalente contemporâneo da contra-cultura da década de 1960 (onde a maior parte do movimento ambientalista cresceu). Seus membros acreditam no progresso tecnológico, no livre fluxo de informações, nas comunidades virtuais e no empreendedorismo. Eles se encontram em “desconferências” (unconferences, onde os participantes fazem a sua própria agenda) e “espaços hacker” (hackerspaces, originalmente espaços que oportunizam explorações compartilhadas com tecnologia eletrônica); seu fórum online preferido será tipicamente algo como um wiki, onde todos podem contribuir e ajudar a configurar o espaço.

A vantagem dos ‘Comuns’ digitais

A menção da matéria aos partidos piratas como fenômeno emergente na Europa, e também ao que poderíamos chamar de ‘braço armado’ radical do movimento — o coletivo Anonymous — ilustra um cenário de atuação significativa do ativismo digital, com admirável articulação internacional. A revista considera plausível que pessoas que passam grande parte de suas vidas conectadas à rede possam sentir uma ligação significativa com a infra-estrutura tecnológica e ideológica de que dependem.

Ao se referir ao reforço que o ativismo digital recebe da Academia, o artigo destaca a importância de pensadores como Lawrence Lessig  e Yochai Benkler . Em ‘Code and Other Laws of Cyberspace‘, Lessig argumenta que o código de computador é tão importante na regulação do comportamento como o código legal. Benkler,  no aclamado ‘The Wealth of Networks‘, exalta as virtudes da ‘commons-based peer production‘ (produção entre pares baseada no comum), exemplificada nas comunidades de desenvolvimento em software livre. Ambos apresentam argumentos razoáveis em prol das vantagens econômicas, políticas e sociais em se manter a rede aberta, e do cuidado especial necessário ao se adotar quaisquer medidas restritivas.
Como acontece nas questões ambientais, os problemas que preocupam a este novo movimento digital são os econômicos, e de certa forma, isto os torna mais semelhantes. Desde a publicação em 1968 do ensaio de Garrett Hardin, “Tragédia dos Comuns“, as questões ambientais têm cada vez mais sido enxergadas em termos de “externalidades negativas”. Hardin argumenta que as propriedades comuns seriam super-exploradas porque os benefícios seriam apropriados pelas pessoas que fazem a exploração, enquanto os custos caem em todos igualmente.
Em parte devido a essa lógica econômica, o princípio de fazer com que os poluidores paguem — ou internalizem as externalidades, na linguagem dos economistas — é fundamental para os regimes que estabelecem impostos de carbono e para as iniciativas de limitação de poluentes (cap-and-trade) promovidas por ambientalistas pragmáticos (ainda que fileiras mais radicais do movimento sejam veementes contra reduzir tudo a ​​custos e benefícios financeiros  calculáveis).
As políticas de rede também se ocupam bastante com as questões levantadas pelos Comuns (Commons). A internet — meio e motivo de muito deste ativismo — é um exemplo claro de um tal recurso na dimensão digital: qualquer pessoa pode acessá-la nas mesmas condições, e todo o tráfego pode, pelo menos teoricamente, ser tratado de forma igual (situação conhecida como “neutralidade da rede”, que constitui também um grande grito de guerra deste ativismo). Mas neste caso, as externalidades não captadas pelo mercado são mais positivas do que negativas. Na maioria das vezes, quanto maior o universo de pessoas a usar de forma compartilhada um bem comum digital na rede, mais todos se beneficiam.

Hackear a política? Ou criar um novo sistema operacional? 

Existem limites para a analogia entre o movimento ambientalista e o ativismo digital. Por um lado, as demandas pela proteção do meio ambiente envolvem controles a ser implementados por parte dos poderes estabelecidos, enquanto que a proteção ao ambiente digital almeja, em grande parte de seus embates críticos, evitar o controle em cenários ainda não devidamente apreciados e ordenados pelos marcos regulatórios existentes. Por outro lado, o universo de pessoas engajadas nas causas digitais apresenta tendências fortemente libertárias, e portanto é pouco provável que o movimento venha a clamar pela criação de um ‘Ministério da Rede’.

Ao buscar elementos de síntese para entender o ativismo digital em um sentido mais amplo, a revista ‘The Economist’ avalia que, ao fim e ao cabo, o movimento não almeja objetivos políticos específicos. Sua meta principal parece ser ‘hackear’ a política, buscando resultados concretos através de soluções inteligentes e facilmente escaláveis de mobilização, e contando com a dinâmica viral da rede como pressão externa ao jogo político clássico.
É possível que a influência duradoura do ativismo digital se dê no fornecimento de novas ferramentas e táticas para pessoas com outros objetivos políticos. Todos os movimentos de protesto e todas as novidades do cenário político hoje apresentam um rosto de mídia social. Do Tea Party ao movimento Occupy, passando pela Irmandade Muçulmana no Egito, todos buscam o efeito de multiplicação rápida que a internet pode adicionar ao seu ativismo e a seus levantes. Experimentos em “democracia delegativa” como o feedback líquido(*) podem reprogramar a maneira como se trabalha a política, bem como acelerar as coisas. Na Alemanha, outros partidos estão fazendo experiências com este tipo de sistema; algo semelhante dá suporte ao movimento populista italiano 
Quando perguntado sobre o porquê de sua organização não ter uma plataforma de pleno direito político, Marina Weisband, um dos líderes do Partido Pirata da Alemanha, certa vez respondeu: “Não temos um programa já pronto, mas sim todo um sistema operacional.” O verdadeiro potencial da política de internet, em outras palavras, é remodelar o que as pessoas podem fazer, ao invés de fazer campanha para benefícios particulares.

E no Brasil? 

Nesta interessante matéria sobre o ativismo digital global da revista ‘The Economist’, a única menção ao Brasil se dá pelo fato de termos chegado “.. mais perto do que muitos teriam acreditado possível em garantir uma inovadora carta de direitos da internet, o ‘Marco Civil da Internet‘”. De fato, por um momento pareceu vivermos no país uma improvável lua de mel entre o poder público e o ativismo digital, e os resultados deste processo supreenderam especialistas em todo o mundo.

 Cabe a nós, atores deste momento em suas várias dimensões, estarmos abertos à reflexão sobre o que foi realizado, identificando acertos e melhores práticas a serem replicadas. A plataforma CulturaDigital.br, que é um dos sub-produtos deste processo aberto de interlocução dos temas digitais, segue como instância de documentação e referência das iniciativas realizadas no setor desde 2009, e se apresenta como ferramenta permanente de diálogo e articulação para todos os interessados em acompanhar o tema.
(*) O Partido Pirata da Alemanha promove,  em uma plataforma on-line, uma conferência perpétua do partido conhecida como “Feedback Líquido” (Liquid Feedback – Interactive Democracy), projetado para dissolver a distinção entre democracia direta e representativa. Em vez de votar sobre uma questão diretamente ou eleger representantes, os membros do partido podem delegar os seus votos em determinados temas a outro membro em cuja opinião eles confiem — e reaver seus votos caso não concordem com as decisões do delegado. Os delegados podem, por sua vez, passar os votos que eles coletam a outro membro, formando assim longas e fluidas “cadeias de delegação”.