Na rede

terça-feira, agosto 26, 2003

Três cenários alternativos
- O que a iniciativa da RIAA sobre o P2P pode gerar

Ao aviso de que as gravadoras
devem processar quem baixa MP3 ainda em agosto
, e imaginando quem poderia
estar na mira
da RIAA
, me deparei com uma interessante descrição de cenários
possíveis no contexto da surreal iniciativa da indústria fonográfica:



Meu palpite é que a RIAA irá
alavancar um processo caótico, cujos efeitos são imprevisíveis,
mas existem alguns cenários possíveis, os quais apresento em
ordem decrescente de probabilidade:


Cenário "Tempestade num copo d'água" -
Penso que o cenário mais provável é também o mais
aborrecido. Centenas de processos e muita publicidade inicial, seguidos de
interesse cada vez menor por parte da mídia. Após poucas semanas
a ofensiva da RIAA vira notícia velha. Os processos em si tem pouco
ou nenhum efeito
nos hábitos ("copynorms")
da rede, pelo fato de centenas de processos judiciais serem apenas uma gota
no oceano. Milhões utilizam o Kazaa
para copiar arquivos MP3. Se a RIAA registrar apenas algumas centenas de processos,
a maioria dos usuários de P2P não conhecerão ninguém
que tenha sido processado, e nem ninguém que conheça qualquer
vítima. Imagine que a "Lei Seca" começou com "centenas
de processos criminais" por tráfico de bebidas alcoólicas.
Alguma semelhança com "uma gota no oceano"?


Cenário "Tiro pela culatra" - Centenas de processos
geram toneladas de má publicidade. A mídia decide focar nas
vítimas mais simpáticas. Imagine a mãe adolescente que
com muito esforço conseguiu entrar para a universidade, e que agora
tem que entregar o dinheiro das mensalidades do próximo ano para uma
gravadora, pelo fato do namorado de sua colega, com quem divide o aluguel
de um apartamento, ter usado P2P para copiar arquivos MP3. Senadores escutam
de seus filhos que a RIAA está perseguindo estudantes universitários.
A opinião pública se volta contra a RIAA, que solta na praça
uma agressiva campanha. Passando por cima das objeções de seus
consultores de relações públicas, a indústria
emplaca a campanha "Cópia de Arquivos é Roubo".
Um advogado da RIAA testifica publicamente que "Não existe
diferença moral entre copiar arquivos e assaltar uma loja de bebidas"
.
Pais que vinham permitindo seus filhos realizarem cópias de arquivos
via P2P ficam irados. E a RIAA retira a campanha litigiosa, dando-se conta
de que sua continuidade pode resultar em legislação que enfraqueça
o DMCA.


Cenário "Mudança de Hábito" - Centenas
de processos geram publicidade simpática. A campanha da RIAA apresenta
o tom certo, fazendo com que pais e adolescentes tenham sérias conversas
sobre a moralidade de se copiar arquivos na Internet. A mídia foca
em indivíduos processados que tenham um corte de cabelo ruim, e a RIAA
consegue processar um em cada uma das 500 maiores faculdades e universidades
do país, resultando numa onda de medo e remorso no ambiente universitário.
Como resultado, os hábitos vão gradualmente mudando, e copiar
arquivos deixa
de ser "cool"
. Na medida em que o hábito de copiar arquivos
invade os pontos públicos de acesso à Internet, torna-se um
grande problema a ser administrado. O serviço
da Apple
torna-se realmente popular, e a maré começa a virar...


Do "Legal
Theory Blog
", do Lawrence Solum (Copynorms).

"Copynorms"
são as atitudes informais sobre a noção

de certo ou errado em duplicar material sob copyright.



Enquanto isso, no Brasil, o ministro
Gil investe
na máquina
de CDs
(uma nova forma de vender discos, em máquinas eletrônicas,
com cartões magnéticos), idéia patrocinada pelo Grande
Lobo
. Novos paradigmas exigem soluções criativas.


Update: caso você seja uma vítima de processo judicial
por cópia de arquivos via p2p, entre em contato com Copywrongs.org.


Update
2
: O ITunes (o serviço
da Apple) pelo jeito já dá sinais que o cenário "Mudança
de Hábito
" é mesmo pouco provável. Veja gráfico
disponibilizado pelo ITunes
is Bogus
- iniciativa muito legal do pessoal do DownHill
Battle
. Tem um texto legal lá, Civil
Disobedience, p2p
:



"Antigamente, as pessoas que queriam mudar radicalmente a indústria
fonográfica eram chamados "ingênuos" - tais pessoas
não tinham condição de entender como o "mundo real"
funcionava. Mas as coisas mudaram e agora as pessoas que querem se ver livres
das grandes gravadoras são os realistas, e as corporações
é que parecem ter embarcado numa "viagem" de auto-ilusão.
De acordo com os últimos acontecimentos, o que irá matar as
gravadoras não será nenhum programa P2P, ou caso judicial, mas
sim suas próprias atitudes, que partem do princípio de que têm
direito a existir mesmo sem prestar bons serviços aos músicos
ou seus fãs." Donwhill
Battle


quarta-feira, agosto 20, 2003

Mais Software Livre em Brasília, e tecnologia digital para a paz social

A seqüência do dia 19 na Semana de Software Livre no Legislativo ficou por conta de Marcelo
D'Elia Branco
, coordenador do PSL-RS e grande responsável pela realização do "conclave".
Assim foi denominado o evento pelo senador José Sarney, que disse ter sido convencido por Marcelo da importância do SL para o futuro do país em fortuito encontro entre ambos acontecido em evento na Europa, no início do ano. Temos que admitir que este encontro
pode ter sido decisivo para o futuro do SL brazuca.

A apresentação de Marcelo descreveu bem o quadro da economia no
setor tecnológico, após a revolução que possibilitou a convergência
das TICs
. Aproveitou a deixa de estar se dirigindo a parlamentares e alertou contra os perigos do DMCA, que estaria embutida no acordo da ALCA. Anunciou também o lançamento do Projeto Software Livre Brasil para amanhã (21/08).

De tarde, a principal atração era o painel da tecnologia digital para a paz social. O articulador de políticas digitais do MinC, Claudio Prado (que, dizem, foi quem botou LSD no discurso do Gil), estaria apresentando o esperado projeto das BACs - Bases de Apoio à Cultura. (vale à pena ver o Do In Antropológico visual).

A idéia foi gestada com a colaboração do grupo Articuladores, e vem ganhando simpatia em vários setores do governo como ação efetiva para a recuperação da auto-estima da juvetude excluída. O projeto promove o domínio das mídias digitais para produção de cultura local (surge o Hip-Hacker), fomentando a veiculação da multidiversidade cultural no ambiente digital - tudo baseado em Software Livre.

Na sequência foi a vez do Marketing Hacker Hernani Dimantas deslocar o foco do assunto para longe dos computadores, enfatizando a importância central da ética hacker e da conversação possibilitada pela Internet como pressupostos do novo paradigma digital. Destacou a importância das BACs no papel de fomento à produção de conhecimento local - caracterizando a terceira geração dos telecentros.

Hermano Viana, também assessor do MinC e especialista nos movimentos recentes da música brasileira, divulgou a intenção do ministro Gil em explorar as possibilidades das licenças da Creative Commons, que inclusive já estariam sendo traduzidas para o português. Destacou que a utilização dos samplers já influencia diretamente a maioria dos novos estilos musicais criados pelos jovens nas diversas regiões do país (a cibermúsica?), e portanto uma nova abordagem na questão dos direitos autorais é condição fundamental para o florescimento da cultura digital. Também os arquivos musicais brasileiros estão na mira da estratégia do ministro Gil, pois a execução de títulos com base nas licenças CC no âmbito internacional teria como resultado certo uma ampliação de mercado para música e músicos nacionais.

Para fechar o painel Luis Eduardo Soares, Secretário Nacional de Segurança Pública, apresentou um quadro forte para ilustrar a desesperada busca de reconhecimento por parte de um menor excluído socialmente ao ir de encontro à sua primeira experiência de violência (apontar uma arma para alguém). Demonstrou que, para os incluídos, jovens pobres são seres invisíveis - esta alienação surge da indiferença ou do preconceito, e torna-se funcional ao naturalizar a paisagem urbana intolerável para que possamos ter um mínimo de paz.

Neste momento primordial de violência, ao apontar a arma, o jovem estará trocando seu futuro por um momento de glória, que depende do olhar de reconhecimento do outro - o que demonstra a importância da dimensão intersubjetiva. De fato, este clamor pelo reconhecimento por parte da juventude excluída não encontra nenhuma resposta das políticas públicas até hoje implementadas, que tendem à homogeinização. Concluindo, Luis Eduardo afirma que a valorização da arte e cultura próprias são capazes de devolver a auto-estima estraçalhada:

"A possibilidade desses jovens demonstrarem virtudes e qualidades, realizando uma produção autônoma de sua própria especificidade em mídia digital, coloca as BACs como projeto singular neste contexto. E promove a centralidade da cultura e das políticas culturais para o desenvolvimento da paz social. Internet, redes de sociabilidade, possibilidade de ser reconhecido e obter respostas, assim constituindo o laço (vínculo) - arte, estética e música, acrescidos do diálogo
digital."

Depoi do painel ainda veio o Miguel de Icaza, que nem falou da compra da Ximian pela Novell... Mas aí também já não dava para captar coisa nenhuma.... Fim do dia.

terça-feira, agosto 19, 2003

Semana de Software Livre no Legislativo: Convenção anual de hackers?!

Cá estou já devidamente acomodado no Americel Hall da Academia de Tênis de Brasília, no aguardo da sessão de abertura da Semana de Software Livre no Legislativo. Já consegui a tomada e o note está no ponto para a blogar o evento. O primeiro a falar na mesa repleta de autoridades é Richard Stallman, e sua apresentação é didática e esclarecedora no que toca os significados básicos do movimento pelo Software Livre:

"Significa que o usuário é livre. Significa que você é livre para usar o software como quiser, mudar, contratar um programador para ajustar o que for necessário caso você não programe, e também livre para distribuir o que desenvolveu. Significa que os usuários estão no controle, individualmente ou em grupo. Estamos aqui para afirmar que estas liberdades são muito úteis, e que negá-las vai contra princípios básicos do desenvolvimento da cultura humana. Por isso somos a favor do Software Livre.

Um cozinheiro é livre para utilizar receitas, e livre para acrescentar ingredientes ou mudar quantidades e procedimentos, adaptando a receita original às suas peculiaridades, sem que para isso tenha que pagar por uma licença de uso. Assim deveria ser na questão do software.

Liberdade é importante. Em algumas situações somos obrigados a lutar por nossa liberdade. Creio que no caso do software não temos que pegar em armas para garantir liberdade, mas talvez seja necessário algum tipo de esforço, uma aposta na mudança. Sem um impulso, os usuários ficam isolados pelas restrições impostas pelo código fechado, e não conseguem perceber as possibilidades que o Software Livre apresenta.

Para efetivar a mudança é importante implantar SL nas escolas, não somente para cortar custos, mas para treinar os futuros adultos nesta tecnologia. Para escrever bom código, há que se ler e escrever bom código. Com o software proprietário você não vê o código – é tudo secreto, não se pode aprender.

Escolas primárias deveriam ensinar as crianças a ajudar seu vizinho. Em escolas secundárias deverão ser os alunos os responsáveis pelo suporte às redes e aos computadores. A sociedade ainda não entendeu bem os aspectos de liberdade que os computadores podem proporcionar. Estou falando aqui do que aprendi."
O ministro Gilberto Gil também foi instigante e arrojado. Eu diria até... lisérgico, mas talvez a melhor descrição de sua apresentação seja: "contra-cultural". E foi o único a enfatizar o aspecto ideológico da questão. Não é por acaso que os diversos atores da TIC governamental vêm adorando o arrojo do MinC em atrair a discussão do futuro digital do país para o âmbito da cultura. A transversalidade da abordagem vem facilitando a ultrapassagem de obstáculos e contradições que há muito emperravam a atuação do governo na concepção de projetos para o ambiente digital:

"O novo contexto ideológico clama por participação horizontal da população nos avanços teconológicos. Contextualizando o mundo digital no campo cultural, não devemos nos esquecer que a cultura digital viveu momentos decisivos sob o signo da utopia. Jovens californianos criaram o PC (personal computer), e na mesma época e local, uma outra turma preparava a migração contracultural das viagens de LSD para os laboratórios de alta teconologia e para o sonho da realidade virtual. A Califórnia era ao mesmo tempo o centro da viagem contracultural, e a vanguarda da pesquisa tecnológica. Alteradores de estado de consciência aliados a grandes escritores de código.

Nesta época já se configurava o contraculturalismo eletrônico, e nada mais natural portanto, desta perspectiva cultural, do que a movimentação em direção ao Software Livre. É mais um projeto de nossas utopias realistas, e será básico para que tenhamos asseguradas nossa liberdade e autonomia no século XXI. E é por isso que o governo Lula deve caminhar para a transformação do Brasil
no pólo internacional de Software Livre no mundo."

(veja a íntegra do discurso do ministro Gil no site do MinC)

Da sessão solene de abertura, foi o que ficou. Os Zés Dirceu e Sarney conferiram o peso político necessário ao evento, mas só. De minha parte, a todo momento me dou conta de como este seminário é importante, e também totalmente improvável de acontecer em qualquer situação que não a de um governo legitimamente popular como o do presidente Lula. O mundo hacker está em êxtase. Na seqüência, mais sobre o evento.

domingo, agosto 17, 2003

Stallman em Brasília: Uma semana que promete balançar o planalto central

Retornando ao blog depois de afastamento estratégico, vou dando conta do evento do ano que ocorrerá esta semana aqui em Brasília. A Semana de Software Livre no Legislativo está trazendo Richard Stallman, presidente da Free Software Foundation, e Miguel de Icaza, presidente da Gnome Foundation, e ocorre em momento estratégico para a implementação da proposta no País.

Quem me conta mais detalhes da programação é o amigo Claudio Prado, que vem atuando como articulador de políticas digitais do Ministério da Cultura, e será o moderador da mesa que estará tratando sobre teconologia digital - um caminho para a paz social, que conta ainda com a participação de Hernani Dimantas, Hermano Viana e o Secretário Nacional de Segurança Pública, Luis Eduardo Soares.

Fiquei bem animado ao dar uma olhada na apresentação que o Claudio irá fazer da proposta do MinC para fomento à cultura digital. Tão animado que o convenci a mostrar um pedaço do diagrama aqui no Ecodigital, em primeira mão (abaixo).

"Vamos tropicalizar a cultura digital". "Sem tesão não há inclusão". Os eventos relacionados
ao ambiente digital têm sido visitados nos últimos meses por idéias e conceitos que trazem fortes elementos da contracultura dos anos 60, principalmente pela atuação de Claudio (o agitador
da Ilha de Wight
), amigo do Ministro Gil, e que a seu mandato está sacudindo o ambiente tecnológico.

Claudio, em visita ao bunker da Ecologia Digital (foto ao lado) explica que não poderia ser de outra forma, pois a Internet e o Software Livre são a "ponta do iceberg" de uma grande mudança paradigmática para a humanidade.

"A Internet furou o sistema - em pleno século XX foi criado o maior engenho de comunicação que já existiu, que não tem dono, carece de poder central, e extrai sua força das pontas conectadas (poder periférico). O século XXI será marcado pela Cultura Digital, e estamos vivendo o parto dessa nova era".

Pensar novas possibilidades exige um descondicionamento em relação a antigas abordagens. Diante disso, o MinC está chamando para si a responsabilidade de renovar a discussão sobre os parâmetros que irão determinar como a cultura digital
irá se densenvolver no país. Em boa hora portanto, vemos um Ministro brasileiro temperar a discussão tecnológica (e de política de telecomunicações) com conceitos integradores, que recolocam a tecnologia como MEIO, e a comunicação como processo de efetivas ações de inclusão social. Portanto, todos à semana de software livre, que agora mudou de lugar e pode abrigar muita gente.

Aproveito para anunciar que o Ecologia Digital publicou a tradução de "Save the Net", artigo do Doc Searls onde são apresentadas as idéias políticas que estão por trás das disputas pela hegemonia do ambiente digital.