Na rede

quarta-feira, novembro 01, 2006

IGF - Atenas: Respondendo à Carta Maior

Na correria absoluta que é um evento como o IGF em Atenas, fica difícil achar tempo para organizar as anotações e blogar. Sem falar que me propus a blogar também em inglês para experimentar o diálogo com a blogosfera participante. O fato é que o Carlos Augusto Yoda, da Carta Maior, me mandou umas perguntas sobre o que está rolando no IGF, e para respondê-lo acabei conseguindo parar e registrar algumas observações que achei interessante postar aqui. Seguem abaixo minhas respostas às perguntas do Yoda:

- quais medidas democratizantes estão sendo debatidas nesta reunião do fórum? quais os principais embates com os estados unidos? como está formada a correlação de forças?

Esta é a primeira reunião do Forum, que se apresenta como um 'processo', e cuja continuidade está marcada para o Rio de Janeiro em 2007. O evento apresenta muitas novidades em sua configuração, e é denominado 'multi-stakeholder policy dialogue', o que na prática significa um forum aberto, heterogêneo e não-hierarquizado para o debate sobre políticas públicas para a rede. De fato, todos os aspectos da Internet estão sendo debatidos aqui. A atividade é muito intensa, com uma plenária principal e 3 workshops acontecendo ao mesmo tempo, e portanto não há condição de acompanhar tudo o que acontece. Pela própria constituição do fórum, os temas são em geral debatidos sob óticas democratizantes e inclusivas, mas é importante que se diga que nenhuma decisão será tomada em Atenas. Aqui tem se falado de custos de conexão, spam, multilingualismo, censura, cybercrime, cybersegurança, questões de gênero na rede, privacidade e proteção de dados, padrões abertos, liberdade de expressão, direitos humanos, direitos autorais, ufa...

Os EUA ocupam uma posição interessante na questão. São os 'pais' da Internet, e a maioria dos que aqui se encontram são ativistas das causas democráticas da rede. A questão que não quer calar é o papel central da norte-americana Icann em uma rede que tende cada vez mais à internacionalização. Processos decisórios importantes que afetam a todos precisam de maior representatividade e transparência, e os esforços da entidade neste sentido não conseguiram apaziguar demandas pela internacionalização do serviço manifestadas na Cúpula de Tunis por vários países - entre eles o Brasil. Mas este tema não está exatamente na pauta do IGF-Atenas (!). Quem sabe no Rio?

Registre-se que grande parte da comunidade norte-americana na rede, como a maioria dos blogs, ignora solenemente o evento. Para os geeks, que de certa forma se sentem meio 'donos' do brinquedo, governos (inclusive o deles) só podem atrapalhar o que está dando certo. O que dizer de um um coletivo de governos liderados por uma cada vez mais desacreditada ONU? Como você pode ver, a Internet detona mesmo com as fronteiras, e neste caso nem podemos ver a posição norte-americana como um bloco homogêneo.

- qual o papel do brasil, estado e sociedade civil, dentro do fórum e em outros espaços na governança da internet?

O Brasil segue tendo presença em muitas frentes. O Carlos Afonso da Rits acompanha esta questão da Icann há muito tempo -- juntamente com o Zé Alexandre Bicalho --, e introduziu o tema no Openness Panel (para desagrado de alguns). O Rogério Santana do Ministério do Planejamento tem participação relevante no workshop sobre Open Standards, que desta vez conta com o apoio direto da Sun. Será formada uma 'dynamic coalition' (outro conceito novo do IGF - seriam os verdadeiros resultados esperados para o forum) para difusão dos padrões abertos de documentos para governos. E ainda não falamos no Demi Getschko e na Vanda Scartezini que são membros do board da Icann.

Pelo MinC lá está eu, e hoje aconteceu o Workshop por uma 'Carta dos Direitos da Internet'. A idéia surgiu em Tunis tendo entre os patrocinadores o Lessig, o Stallman e o Gil, além de membros do parlamento italiano e a ong IPJustice.org. Como ele não pôde estar dessa vez, vim representá-lo, e trouxe basicamente a reivindicação espontânea que nasce nos 'pontos de cultura', pelo direito de REMIXAR cultura digitalmente. Em um forum onde tantos assuntos são tratados especificamente e nenhum consenso é alcançado parece fazer sentido pensar em um conjunto de direitos e deveres fundamentais orientadores, e o Workshop foi bem concorrido (deu na BBC!). Mais uma 'dynamic coalition'...

- desde a criação do fórum, houve algum tipo de avanço em discussões? o Icann perdeu forças nesse tempo ou acabou se fechando ainda mais para controlar a grande rede?

Como disse, o caso (internacionalização do) Icann não está na pauta do IGF-Atenas. O que está se discutindo neste nível é a utilização de outros alfabetos na formação de domínios, que é uma reinvidicação importante dos países asiáticos -- cada vez mais fortes na rede. Trata-se de pauta do multilingualismo que é tema de destaque no forum, e me parece que o Icann está empenhado em apresentar soluções rapidamente.

Acredito que o grande mérito do IGF está sendo a oportunidade de encontro pessoal e livre troca de idéias e informações entre 'usuários' e 'admins' da grande rede, o que tem sido facilitado pela estrutura mais horizontal e participativa do evento. A Internet está chegando em todos os lugares mas não da mesma forma e a desinformação ainda é muito grande, por exemplo, nos países africanos. Para muitas delegações, a grande descoberta neste forum foram os kits anti-spam. Relatam por exemplo que no pouco tempo de conexão (lenta) de que dispõem para acessar seus e-mails (praticamente o único recurso que usam na web), os minutos preciosos que perdem baixando spam praticamente inviabiliza o uso. Parece que as tais 'dynamic coalitions' compostas por este novo contingente de usuários globais da rede podem começar a funcionar, da mesma forma como as amizades virtuais que só se concretizam mesmo depois de um encontro frente a frente, analógico.

Pode ser interessante começar a pensar no IGF-Rio desde já!

- em Tunis chegaram a discutir o que chamaram de e-lac - governo eletrônico para América Latina e Caribe. essa questão avançou de alguma maneira?

Rapaz, sobre isso não tenho informação. O Rogério Santana deve ser a pessoa certa para lhe dizer.

No meio da correria, tu conseguiu me fazer parar para escrever o que estava na ponta da língua... Vou aproveitar e blogar pois ficou bem ilustrativo.

Valeu.
Abraço,
Murilo.

UPDATE: veja a íntegra da matéria publicada na Agência Carta Maior em 07/11/2006