À partir da oportunidade criada pelo projeto de cooperação internacional "
Diálogos Setoriais UE-Brasil", temos realizado conversas importantes com iniciativas que (1) implementam sistemas públicos de informação em cultura, e (2) disponibilizam acesso a acervos digitais de bibliotecas, arquivos e museus. Na próxima semana, de 11 a 13 de março de 2013, no Auditório István Jancsó da Biblioteca Mindlin-USP (
Brasiliana-USP), a
Secretaria de Políticas Culturais do MinC realiza o
Seminário Internacional Sistemas de Informação e Acervos Digitais de Cultura.
No momento em que, no âmbito da realização do
Plano Nacional de Cultura, implementamos o SNIIC,
Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais, é extremamente oportuno explorar as possibilidades que plataformas digitais públicas podem oferecer para o acesso qualificado às informações culturais. Ao abranger nesta reflexão a questão do acesso integrado aos acervos em processo de digitalização nas diversas instituições que integram o Sistema MinC, e neste caso falamos de
Biblioteca Nacional,
Cinemateca Brasileira,
Funarte e
Museus, entre
outros, criamos a possibilidade de formular um plano nacional para acervos digitais.
O tema é da maior importância para todos que se preocupam com a memória nacional (preservação), com o acesso à cultura em meio digital (democratização), e com a presença qualificada dos conteúdos do património cultural da língua portuguesa na rede mundial. Diagnósticos vários e recentes apontam o elevado grau de fragmentação dos repositórios digitais em universidades e em outras organizações que lidam com conhecimento em todo o mundo. Da mesma forma, no campo dos acervos culturais, as políticas públicas ainda não avançaram no sentido de prover a necessária articulação e sustentabilidade aos projetos de digitalização em curso.
O ambiente digital, em suas muitas virtudes, proporciona grande vantagem para a ação pactuada, colaborativa. Não por acaso, a Internet fundamenta todo o seu funcionamento em protocolos, que são em última instância acordos básicos de co-operação. Cabe à nós, sempre que possível, buscar o alinhamento de nossas políticas públicas digitais à esta lógica suprema da rede -- o acordo e a transparência, que geram a confiança (
trust) entre os pares. Em nosso caso específico, o campo dos acervos digitais de cultura, teremos muitas vantagens se conseguirmos articular visão e estratégias comuns entre as diversas instituições mantenedoras de coleções culturais. Podemos até dizer que não há outra forma de promover um Programa Nacional sustentável para acervos digitais se não compartilharmos recursos, principalmente de infra-estrutura tecnológica, mas também de pessoal especializado nas diversas etapas que envolvem digitalização e disponibilização de conteúdos digitais.
Em importante evento recente do setor (
Discovery Summit 2013), reuniram-se em Londres representantes de todos os grandes projetos de bibliotecas digitais no mundo. O programa
Discovery ('um ecossistema de metadados') representa uma sofisticada articulação técnico-institucional promovida pelo JISC, instituição responsável por infra-estrutura para ensino e pesquisa e para acervos digitais no Reino Unido. Representados no evento estavam projetos globais como a
Biblioteca Europeana e a
DPLA (
Digital Public LIbrary of America), e também iniciativas de articulação como a
OCLC (
Online Computer Library Center), que apresentaram suas premissas técnicas e institucionais para avançar no desafio da interoperabilidade dos diversos repositórios. Ficou muito clara a necessidade de uma articulação global em torno de padrões abertos ('
open data'), que no caso dos acervos são metadados abertos ('
open metadata',
linked open data), e soluções compartilhadas para instituições mantenedoras de acervos.
Para quem acompanha de perto estas discussões nos últimos anos, foi interessante perceber em Londres o deslocamento no discurso técnico ocorrido recentemente. Antes, estávamos todos em busca do protocolo único, da arquitetura de informação mais adequada, ou da plataforma que poderia idealmente agregar todos os conteúdos. Ao constatar-mos que os grandes projetos globais de bibliotecas digitais agora colocam a ênfase da interoperabilidade de acervos em tecnologias como '
open metadata' e '
linked open data', podemos identificar um processo positivo, virtuoso e significativo.
Para ilustrar, é como se movêssemos a autoridade do processo de qualificação dos metadados dos conteúdos diversos, do interior das instituições / empresas e seus sistemas, para o ambiente aberto da web, dessa forma facilitando a adaptação de diferentes modalidades de catalogação e modelos de metadados, assim como o desenvolvimento de diversos 'plugs' de software (APIs). O desafio agora seria estruturar as informações presentes neste "oceano web" definindo e delimitando representações de conhecimento (ontologias) que possam atuar de maneira a auxiliar no processo de transição da informação propriamente descrita em conhecimento a ser acessado. Especialistas confirmam que a tecnologia '
linked data' traz um cenário completamente novo para a interoperabilidade de repositórios com lógicas distintas de catalogação (ou 'descrição de recursos', me corrige um colega bibliotecário), como é o caso de bibliotecas, arquivos e museus.
Esta novidade no aspecto técnico é uma boa notícia para nós brasileiros envolvidos no desafio dos acervos digitais de cultura. Significa que a partir de agora podemos elaborar iniciativas transversais com maior clareza técnica, respeitando as especificidades dos diferentes domínios de catalogação, e promovendo a integração dos acervos com base em padrões que estão em processo de tornar-se consenso na comunidade internacional. É importante para o setor de acervos digitais, neste momento, identificar quais as demandas do novo cenário, que novos arranjos de governança se fazem necessários, e paralelamente, cabe a nós (.gov) agora dimensionar a concentração de recursos bastante para a primeira etapa de um Programa
de fato estruturante para o setor.
O Seminário Internacional sobre Sistemas de Informação e Acervos Digitais de Cultura, fruto deste 'diálogo setorial' com a União Europeia, busca cumprir este papel de apresentação do que foi prospectado no âmbito da cooperação internacional. Ao reunir os especialistas do setor no país, tem como objetivo também promover a reflexão conjunta sobre os novos elementos técnicos inseridos no campo, e como tais elementos podem se tornar objeto de novas iniciativas de cooperação. Além disso, almeja refletir sobre arranjos institucionais adequados à necessária sustentabilidade que projetos de conteúdos digitais devem garantir, apresentando como referência a experiência do JISC no Reino Unido.
O evento conta também com uma apresentação do capítulo das 'Limitações e Exceções' da nova Lei de Direito Autoral, a ser realizada pelo Diretor de Direito Intelectual do MinC, Sr. Marcos Souza. Trata-se de questão fundamental, pois não adianta avançarmos no tema da digitalização de acervos sem contar com um marco regulatório adequado às demandas básicas do ambiente digital.
Pelo fato de depositarmos grande esperança nos bons resultados desta conversa especializada, contamos com a presença de todos os interessados, seja de maneira presencial no Auditório István Jancsó da Biblioteca Mindlin-USP, em São Paulo, ou remotamente através de streaming de vídeo. Esperamos que as informações e os debates trazidos pelo evento sirvam de impulso às articulações necessárias em torno de uma verdadeira política nacional para os acervos digitais.