Este texto foi originalmente redigido como um comentário às "Provocações iniciais sobre conteúdos digitais e compartilhamento" de Rodrigo Savazoni, no espaço do I Forum da Internet do Brasil. [updated]
“Muito bom ver o debate começando por aqui! Aliás, esta iniciativa de um Fórum aberto do CGI.br já estava mais do que madura para acontecer, e vem em momento importantíssimo. Que bom!
Sobre esta questão da “nova ecologia da distribuição da informação e do conhecimento”, sobre a qual temos refletido e debatido com afinco, me parece claro algumas coisas:
Tudo se encaminha para a situação em que alguns grandes players do mercado tenham o controle sobre os padrões e protocolos que irão formatar o “jeito” como as coisas irão se dar no mundo digital do século 21.
A revolução da Abertura (openness), no que se refere ao acesso aos conteúdos digitalizados na rede, trouxe um novo fôlego para processos culturais valiosos, e proporciona as ferramentas básicas para este novo estágio da civilização — a cultura p2p.
Mas estamos diante de um processo de desenvolvimento distorcido, que se por um lado inclui e empodera amplas fatias da sociedade, por outro tem gerado uma acumulação indevida por parte dos grandes agregadores da rede.
Operados com a lógica do mercado, e subordinado a interesses geopoliticos, estes grandes players seguem avançando em escala global, e assim acumulando poder de definição dos padrões que irão cada vez mais formatar o ecossistema da rede.
Em meio a esta reflexão, que talvez se relacione com outras trilhas do Fórum, lancei uma pergunta no G+: Quem é que pode definir padrões hoje na rede?
Me chamou atenção este caso do Google lançar uma alternativa ao javascript, e foi para mim a evidência de que os grandes da rede são os que hoje podem bancar novos padrões. São estes mesmos gigantes, corporações estrangeiras como o Facebook, que gerenciam os grandes ambientes das redes sociais, dominando assim o processo estratégico de desenvolvimento destes protocolos que irão formatar a inter-relação via rede no século 21.
Neste cenário, imagino se seria possível a uma iniciativa pública, apoiada pelo estado mas governada de forma compartilhada com a sociedade, propor um protocolo básico extensível que viabilizasse a criação de uma plataforma pública aberta e comum.
Fico imaginando se algo como o Diáspora fosse adotado por um arranjo institucional como este. Seria possível alavancar um protocolo aberto e distribuído de identidade (open - user-centric - identity) como plataforma pública nacional?
E porque estou falando de open identity? Porque será através de um protocolo de identidade digital público e aberto, centrado nas demandas de privacidade e de direitos autorais dos usuários, que poderemos criar as bases da economia p2p. Entretanto, são estes os protocolos estratégicos que estão sendo apropriados e dominados pela visão de corporações norte-americanas.
Estamos neste momento acompanhando a tramitação da proposta da nova lei de direito autoral. Nela está inserido dispositivo que orienta a criação da plataforma de registro autoral, que projeta o grande banco de referências e links de toda a cultura.br.
Ao mesmo tempo, estamos vivendo um processo intenso de digitalização das coleções históricas de arquivos, bibliotecas, cinematecas, centros de pesquisa. A catalogação e disponibilização integrada destes acervos, aliada a metadados que possam prever formas de licenciamento inovadoras, viabiliza um cenário onde é possível gerar novos fluxos de retribuição autoral.
E por outro lado, cada vez mais os cidadãos brasileiros se transformam em usuários especialistas destes ambientes de mídias sociais, onde hoje efetivamente são desenvolvidos as aplicações e serviços baseados em identidade. Tais aplicações são orientadas ao aperfeiçoamento das estratégias publicitárias que financiam estes empreendimentos, mas ainda sim, é nestes espaços que efetivamente ocorre a indicação, uso e reprocessamento de conteúdo digital nos dias de hoje.
Enxergo aqui uma oportunidade histórica de provermos uma solução tecnológica em condições de responder aos desafios dos novos paradigmas, o que muitos chamam de economia criativa, mas que independente do nome deve necessariamente prever e estimular os arranjos de compartilhamento e construção colaborativa do conhecimento.
Neste cenário, o foco não deve estar no controle dos fluxos criativos, e sim no reforço de atribuição da identidade dos criadores, que somos todos nós.
A tecnologia, especialmente na lógica dos padrões abertos e do software livre, tem resposta para estas demandas. Mas estas respostas, da forma como às precisamos, não serão desenvolvidas pelas corporações que se criaram neste processo de agregação e apropriação da contribuição ‘anônima’.
Enfim: na cultura digital, “Programe ou seja Programado”, não é mesmo?
Será que ainda existe a possibilidade de uma alternativa a este cenário dominado pelos grandes players da Internet? Na minha opinião, o papel do CGI.br nesta reflexão é central.
Seguimos conversando.
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