Nesta quarta-feira (09/10) a Suprema Corte americana irá analisar de perto pela primeira vez, diante da nova situação imposta pelo paradigma da comunicação digital (leia-se Internet), o poder constitucional que permite a autores, inventores e outros agentes de criação, "por tempo limitado", o exclusivo direito sobre as próprias obras (veja no LATimes) - o copyright. Serão apresentados os argumentos de ambas as partes no caso
Eldred vs. Ashcroft.
A primeira legislação dos EUA sobre direitos autorais e patentes instituiu em 1790 o período de 14 anos de reserva de copyright para o autor. No entanto, desde o advento da indústria cinematográfica o Congresso americano tem extendido o tempo de reserva repetidamente, de forma que hoje as obras criadas por grupos (filmes) são protegidas por 95 anos, e os direitos de trabalhos individuais se extendem por 70 anos após a morte do autor.
Os ativistas da Ecologia Digital, tendo Lawrence Lessig à frente, argumentam que o estado atual da legislação distorce a função essencial do copyright na Constituição, que seria promover o progresso e a inovação. A extensão dos termos de copyright faz com que apenas alguns clássicos permaneçam disponíveis ao público em cópias impressas, CDs ou DVDs, enquanto mais de 400.000 títulos de livros, filmes e músicas tornam-se inacessíveis por contrato, e assim permanecem até 2019. Outro resultado palpável das extensões dos termos de copyright tem sido o de enriquecer os herdeiros de antigos autores, e também manter as margens de lucro da Disney e outros estúdios.
O caso Eldred começa em 1995 quando Eric Eldred resolveu auxiliar suas filhas em uma solicitação da escola. A tarefa era ler "The Scarlet Letter" de Nathaniel Hawthorne, e como as meninas acharam o texto desinteressante, Eldred achou que poderia ajudar buscando referências na Internet, onde acabou encontrando o texto completo mas com muitos erros de formatação e diagramação.
Escaneou o texto, reformatou, revisou erros, adicionou notas e glossário e também uma resenha escrita em 1879, e como o texto de Hawthorne é melhor entendido no contexto de suas outras obras, escaneou a obra completa complementando-a com os novos recursos e publicou tudo isto em um endereço na rede (www.eldritchpress.org). Ao final do trabalho seu site já estava recebendo 3.000 visitas diárias, e foi saudado como uma ótima ferramenta pelos estudiosos em Hawthorne -
chegou a receber uma comenda da National Endowment for the Humanities. Ninguém mais teria dificuldades em acessar Hawthorne.
Mas em 1998 entram em cena os políticos, e o Congresso americano aprova o "Sonny
Bono's Copyright
Term Extension Act", que homenageia o falecido cantor / político / ex-marido da Cher, que costumava declarar que "o copyright deveria ser para sempre". Ao extender o termo de proteção por mais 20 anos, o CTEA frustrou os planos de Eldred que já programava ampliar o seu projeto e lançar títulos de 1923, como "Three Stories and 10 Poems", de Hemingway.
Deprimido com a injustificável mudança nas regras do jogo, Eldred resolveu trilhar o caminho da desobediência civil mantendo o plano de publicar obras datadas de 1923 e 1924. Foi preso, fechou seu site, escreveu cartas, e se tournou um ativista. Foi assim que Lessig ouviu falar do caso, e tendo forte conceito formado sobre a inconstitucionalidade da extensão dos termos de copyright pelo Congresso, procurou Eldred e deu início ao caso em seu nome.
Lessig, em sua famosa conferência "Free Culture" de julho último (Buchicho na Blogosfera), destaca quatro pontos que traduzem bem a encruzilhada da sociedade organizada frente ao paradigma colocado pela possibilidade de livre distribuição
de conteúdo digital de um lado, e as forças conservadoras que buscam manter um status quo nos moldes de uma época que já passou, de outro:
- Criatividade e inovação sempre são construídas
sobre o passado. - O passado sempre tenta controlar o processo de criação sobre seus conteúdos.
- Sociedades livres viabilizam o futuro ao limitar este poder do passado.
- A nossa sociedade é cada vez menos uma sociedade livre.
Vamos acompanhar aqui o desenrolar desta novela e, conforme já comentado neste blog, a grande mídia parece já estar percebendo "algo estranho" na argumentação de Hollywood sobre a questão. Pode-se conferir aqui,
aqui, e aqui, e aqui também. E deu também na Exame.