Na rede

quarta-feira, agosto 23, 2006

A TV digital do Brasil, e outras TVs possíveis

Tv digitalEm meio a tanto trabalho e absoluta falta de tempo, tenho que voltar ao ecodigital para desovar um post que está encruado faz tempo. Desde a assinatura do decreto da TV digital (29/Jun) que os colegas de ativismo estiveram me contactando para que eu postasse algo aqui sobre o tema, e aí na época comecei este post com o objetivo de compor uma comunicação pertinente ao momento. E ficou no rascunho até hoje... e o momento se transformou. O que segue é o rascunho adaptado e atualizado, que me fez refletir sobre tudo o que pode acontecer em apenas 2 meses nesta fantástica rede global.

Várias podem ser as razões que dificultaram a finalização deste post no final de junho, mas o fato é que não consegui elaborar um posicionamento sobre o debate local específico, e traduzo esta falta de inspiração como decorrente do descompasso que observo entre a discussão da TV digital no país, e a movimentação global decorrente da explosão do vídeo na rede. Esta revolução e seus efeitos colaterais me parecem muito mais pertinentes e conseqüentes à formulação do futuro digital brasileiro do que propriamente a escolha do padrão de modulação.

No médio prazo, não consigo deixar de ver a TV Digital como suporte e infraestrutura à dinâmica que hoje acontece na web, que na prática já permite ao usuário definir a própria 'grade de programação' através de playlists. No entanto, observo que todo o debate relativo à implementação da TV digital no Brasil está centrado na perspectiva da TV como a conhecemos hoje, segundo a ótica de 'canais' que acabam adquirindo grande poder e influência na cultura local exatamente pela concessão que têm em 'programar' o que vai ser assistido. Esta abordagem, a meu ver, não tem levado em consideração a transformação que os efeitos do paradigma digitalização / hiper-conectividade tem operado na ecologia da mídia audiovisual. Estamos assistindo (pela Internet) a revolução da auto-determinação dos usuários / cidadãos.

É fácil enxergar o motivo das operadoras (incumbents) de TV formatarem a discussão em torno do padrão de modulação -- de certa forma mantém o debate em terreno conhecido. Mais difícil é perceber qual o ativismo efetivo para o ambientalismo digital, neste momento em que as principais referências no tema sofrem evoluções conceituais radicais em questão de semanas.

Uma dica interessante pode estar na recente criação do Partido Pirata na Suécia, em resposta ao ataque do governo local ao Pirate Bay -- os reis do Bittorrent na rede. Vale à pena se inteirar dessa história, e para isso nada melhor que ver este vídeo (via Thiago Novaes, em expedição pelo velho mundo). Parece claro que a batalha é política, e que faz todo sentido ao movimento ambientalista digital aparelhar-se devidamente para atuar neste contexto. Algumas conversas interessantes -- ativadas por simpáticos narizes vermelhos -- ocorridas durante o iSummit no Rio já indicavam este caminho, e desde então coisas interessantes vêm acontecendo.

[Em nome da transparência blogueira, neste ponto devo declarar aqui que trabalho no Ministério da Cultura, coordenando a infra-estrutura web, e que minha avaliação em relação às posições do 'chefe' Gil podem estar influenciadas. Mas a meu ver, como de costume, foi ele quem enxergou mais longe ao reverberar sabiamente (de dentro do governo) a noção de que para o bem de todos, decisões sobre TV digital não deveriam ser tomadas em ano eleitoral.]

A novidade que volta a animar o debate da TV digital no Brasil é a Ação Civil do Ministério Público Federal questionando a legalidade do decreto que pretendeu implantar o SBTVD optando pelo padrão japonês de modulação. Trata-se de fruto da articulação eficiente dos coletivos de comunicação social no país, e a iniciativa me parece um caminho interessante para questionar a adequação do procedimento efetuado pelo executivo. Será que já estaríamos em plena reforma política? Daqui torcemos (e trabalhamos) por um debate nacional -- sobre a cadeia do audiovisual digital e principalmente sobre infra-estrutura pública de banda-larga -- amplo e livre de influências oportunistas.

Falando de iSummit, ação política, vídeo na rede, e narizes vermelhos, não poderia deixar de registrar um feliz encontro ocorrido no evento no Rio, onde tive a oportunidade de conversar com John Perry Barlow e Steven Starr (foto). O Barlow todo mundo conhece -- um dos meus ídolos na net desde sempre --, e o Steve é o cara do Revver, um Youtube alternativo que apresenta proposta extremamente ecológica de disponibilização de vídeo na rede -- que o FFF descreve bem:

Revver é um serviço fantástico, do qual o Tupi já tinha me falado. Conversei bastante com o Steve, fundador e CEO do sistema, que antes de tudo é ativista ligado ao indymedia e um monte de outros projetos interessantes. A idéia é a seguinte: eu pego os vídeos que faço e mando pro sistema deles, que vai publicar o vídeo, mas com um espaço para anúncios no final. O interessante é que o criador controla todo o processo: quais anúncios aparecem, quantas pessoas assistem ao vídeo, quantas pessoas clicam no anúncio. Da mesma forma que sistemas como o adsense e text link ads, cada clique gera alguns trocados para o autor. A grana é dividida meio a meio. Interessante, principalmente no sentido em que propõe um outro ciclo econômico pra produção audiovisual."
iSummit - FFF

Enquanto a turma do estúdio livre agitava os corredores demonstrando o potencial das ferramentas de produção multimídia dos pontos de cultura, pude relatar ao Barlow e ao Steve um pouco da minha experiência como morador de uma comunidade do Santo Daime em Brasília. O debate sobre o uso socialmente integrado de substâncias psicoativas e a proposta comunitária em torno de princípios pan-ecológicos embalou longo e animado intercâmbio, e ao final tive a promessa de receber visitas ilustres lá no Céu do Planalto.

E por fim os narizes vermelhos, que chegaram a motivar alguns narizes torcidos no iSummit, acredito terem motivado reflexões e atualizações coletivas. Espontaneamente foram reconhecidos pelos participantes estrangeiros no evento como símbolo da abordagem tropical à subversão que o ambiente digital tem provocado nos poderes estabelecidos. Para o ativismo digital brazuca, no meu entendimento, o nariz de palhaço pode simbolizar o início de uma convergência e de uma articulação política que precisa se consolidar e se organizar o quanto antes, em prol da real promoção do equilíbrio ambiental na rede.