Na rede

quarta-feira, maio 17, 2006

Overturma faz o dever de casa

Estiveram reunidos no Rio, nos dias 15 e 16 deste maio, overmanos, overmanas e demais overpitaqueiros para avaliar detalhadamente e em conjunto os vários aspectos dos primeiros meses de funcionamento do Overmundo -- novo coletivo virtual e promissor canal alternativo de expressão da cultura brasileira. Hermano Vianna, Ronaldo Lemos e cia. ativaram o debate entre os 27 overmanos (mistura de blogueiro, jornalista, produtor cultural, artista e filósofo) que compõem a rede representando todos os cantos da federação. Dentre o universo de assuntos que pintaram, destaco a busca de melhor interface para o site, idéias sobre os procedimentos da inovadora 'sala de edição' virtual, novas formas de intervenção analógica (não-digital) nas ações da cultura local, estratégias de difusão dos conceitos da cultura digital, e também alternativas de sustentabilidade para o projeto no futuro.

Na minha perspectiva, o projeto Overmundo é um laboratório único para avaliar os problemas e os desafios que a implementação de um verdadeiro projeto de 'jornalismo cidadão' a nível nacional podem apresentar, e para mim foi uma oportunidade ótima poder acompanhar o debate. Um aspecto fundamental do projeto é o foco na difusão pragmática das novas formas de licensiamento de conteúdo e gerenciamento de direitos autorais (Creative Commons). Durante o evento Ronaldo Lemos apresentou um 'discurso padrão' a ser apropriado pelos overmanos, e por quem mais quiser, para contextualizar e disseminar a utilização prática das novas licensas. Disponibilizamos aqui o áudio em mp3 e a apresentação (alguém aí sabe sincronizar um ppt com um mp3 num arquivo mpg?).

Recentemente houve algum ruído na blogosfera sobre o fato do Overmundo ser um projeto viabilizado por captação de recursos através da lei de incentivo cultural, e também por assemelhar-se ao digg. Entende-se o sentimento dos blogueiros, adeptos do 'do it yoursef', sobre a alavancagem de um volume alto de recursos para se montar um site. Afinal, aprendemos todos que basta uma idéia na cabeça e um blog gratuito na web para que coisas interessantes comecem a acontecer. Mas o ataque à turma que vislumbrou algo mais adiante, se mobilizou, montou o projeto, conquistou os recursos, e agora está trabalhando duro para que a idéia de uma rede colaborativa de âmbito nacional dê certo, cheira a 'dor de cotovelo' mal resolvida.

"Fazer site colaborativo com drupal? Claro, monto um em menos de uma hora, cheio de recursos interessantes. Mas sempre falta alguma coisa, porque eu não tenho grana pra contratar equipe, não tenho tempo pra me dedicar, porque um módulo específico ainda não está à altura do que eu preciso. E, com exceção de casos como o próprio china, o site vai ser fatalmente abandonado depois de alguns meses, por falta de saco. Já passei por essa situação meia dúzia de vezes, e fiquei realmente feliz de ter visto o overmundo encontrar uma maneira de trilhar outro rumo. ... não acho que desqualificar o primeiro site que conseguiu articular um caminho viável seja uma boa estratégia. É tiro no pé. É dar razão pra quem acha que o estado não deve investir em cultura, que produção colaborativa é coisa de cumuna, e que dinheiro da Petrobras tem é que sustentar barretão e companhia. Meu inimigo está em outra parte, e a guerra é outra, maior do que se imagina."
Felipe Fonseca - comment no BR.BR-101.org
Como bem colocado pelo FF, todos os que já se viram engajados em projetos colaborativos na rede sabem por experiência própria que falta neste contexto modelos inovadores de financiamento que possam viabilizar o constante aperfeiçoamento tecnológico, e o impulso à rápida replicação e implementação dos conceitos e atitudes pertinentes na ecologia analógica -- ou seja, nas interações do mundo real. Afinal, quem poderia patrocinar tal iniciativa? As empresas de mídia no Brasil ainda não conseguem enxergar a tendência mundial da rede, e portanto cabe ao estado induzir iniciativas que julgue pertinentes para alavancar inovação em setores estratégicos. Veja a dica do Sílvio Meira (de blog novo) na questão:

"ron bloom, fundador do podshow, aposta que em cinco anos 50% do conteúdo será gerado pelo público e não pelas produtoras e artistas “clássicos”. pode até ser que sites como overmundo, “coletivos virtuaiscapazes de manter viva uma discussão sobre rock na amazônia por 45 dias, sejam arautos de novos modelos de criação e propagação de conteúdo cultural"
em 5 anos, 50% - blog. meira.com

O Overmundo não é um site. Quem o enxerga dessa forma reducionista perde a visão do contexto maior onde se insere esta movimentação, e basta alguma interação com os overmanos para sacar o diferencial. O Overmundo é um coletivo aberto, uma rede colaborativa de difusão cultural, e talvez a única iniciativa relevante de jornalismo cidadão no país. Vale à pena acompanhar e colaborar com esta turma.

UPDATE: Não deixem de conferir a apresentação do Ronaldo Lemos (slides + áudio) 'Conteúdo Colaborativo: uma crise, uma novidade, e a questão do controle'.

sábado, maio 06, 2006

Sobre a 'desconferência' da gangue da identidade digital

A delicada questão da identidade digital foi 'especialmente' debatida esta semana no Internet Identity Workshop 2006, que ocorreu no Computer Hisotry Museum em Mountain View - California. O evento teuniu luminares do tema - blogueiros da A-list, conhecidos figurões das grandes empresas e experts das fronteiras da inovação no campo do gerenciamento de identidade. Entretanto, e esta é a característica 'especial' do evento, nenhum deles estava lá para apresentar conferências, não havia palco - todos falaram, escutaram, tiraram dúvidas e responderam a questionamentos, numa configuração interativa com hierarquia plana.

O novo formato de interação é chamado 'Unconference' (desconferência?), e foi desenhado em sua forma atual por Dave Winer, o criador (entre outras coisas) do RSS. O workshop foi realizado no âmbito do coletivo 'Identity Gang', que é patrocinado pelo Berkman Center e reúne indivíduos e organizações que mobilizam esforços em torno de uma missão em comum: 'Apoiar a contínua conversação sobre o que é necessário para o desenvolvimento de um 'metassistema' de identidade que possa atender a todo o mercado, especialmente aos indivíduos'.

De acordo com a ampla e positiva cobertura que o evento alcançou na blogosfera, os sinais de que já estão ocorrendo as necessárias mudanças para a correta abordagem do tema foram claramente percebidos nas seções de 'desconferência' no evento. A principal responsável pelo sucesso da implementação do espaço aberto de debate foi a 'Identity Woman' Kaliya Hamlin (foto), que juntamente com Phill Wendley conseguiu criar o ambiente adequado para a inédita troca aberta de informações.

Parece não haver mais qualquer dúvida de que é necessária a adoção de uma meta-narrativa na condução dos debates sobre a identidade digital, e de que a missão neste momento é descobrir como convergir os vários projetos em desenvolvimento. Tais esforços partiram de variados contextos de uso e demanda, e foram iniciados com objetivos extremamente heterogêneos, o que vinha causando enorme divisão e competição até então. Mas desta vez foi perceptível a intenção coletiva de 'pular no barco', e o movimento de cada grupo em introduzir seus objetivos específicos na matriz cronológica e de especificações construída colaborativamente como resultado das 'desconferências'.Recentemente o Sílvio Meira(que finalmente! colocou RSS em seu blog) fez um bom diagnóstico do que vinha acontecendo no debate sobre o identidade na rede:

"... os atores apropriados não estão se sentando nas mesmas mesas e tendo as longas conversas que deveriam... o que os leva a disparar salvos contra os outros com muita freqüência, como se “um” lado fosse ganhar a disputa e o “outro”, desaparecer. A experiência da internet deveria ensinar que “o” lado que ganha a disputa é o do usuário, que está à procura de uma experiência simples, rica, eficiente, eficaz e, ainda por cima, que justifique os reais que custa. Simples. Mas até chegarmos, todos, a este entendimento, veremos muita gente boa vivendo, em público, a crise de identidade de não saberem o que são, num mundo convergente... simplesmente por não entenderem o que ele, de fato, é."
Crise de Identidade - Meira.com

Será que o clima está mudando? Estarei em Recife na próxima semana e espero re-encontrar o Sílvio e poder trocar boas idéias. Quem sabe gravar um podcast. Alô Síííllllvio!!

UPDATE: Tom Maddox disponibiliza em seu blog vários podcasts sobre o Internet Identity Workshop 2006. Os dois com Doc Searls são especialmente interessantes -- Doc indica que a junção da identidade digital com um mecanismo como o Creative Commons poderia criar um ambiente de mercado completamente revolucionário - a economia da intenção.

terça-feira, maio 02, 2006

O mundo pergunta: "Mídia da Crise ou Crise da Mídia?"

O Seminário 'Crise da Mídia ou Mídia da Crise?', realizado nos dias 26, 27 e 28 de abril pela Escola de Comunicação da UFRJ em parceria com a Rede Universidade Nômade e com o apoio da Secretaria de Políticas Culturais do Ministério da Cultura e da RNP para a transmissão ao vivo pela web, terá uma oportuna continuidade no âmbito internacional.

Nos próximos dias 3 e 4 de maio acontecerá em Londres o evento 'We Media Global Forum', organizado pelo 'The Media Center' -- unidade do 'American Press Institute - API' dedicado à pesquisa sobre a mídia e seus novos formatos, e com o patrocínio das agências internacionais BBC e Reuters.

O evento irá reunir a vanguarda da sociedade conectada -- pensadores, inovadores, investidores, executivos e ativistas que buscam realizar o potencial das redes digitais em conectar todos, em todos os lugares. O objetivo principal será captar as perspectivas dos líderes da indústria e dos príncipais ativistas em relação à questão mobilizadora introduzida pela organização do fórum, e que é colocada tanto em relação à mídia tradicional como também frente ao nascente 'jornalismo cidadão':

Nós confiamos na mídia?
(Do we trust the media?)

O evento começa amanhã, mas pode ser acompanhado desde já no site específico, nos blogs do 'media center', da BBC e da Reuters, e em outros locais da blogosfera.

Como o tema do forum é 'confiança', os principais patrocinadores (BBC e Reuters) estão realizando uma pesquisa online para avaliar a 'atitude das pessoas em relação à confiança e mídia'. Os resultados da pesquisa só serão anunciados oficialmente no primeiro dia do forum, mas alguns indícios coletados já estão disponíveis online. Interessante observar em quais instituições os cidadãos depositam maior confiança no sentido de realizar as ações necessárias para a construção do bem comum (abaixo).


E, por falar em 'mídia' e 'confiança', não posso deixar de destacar uma passagem na recente apresentação de Paulo Henrique Amorim no seminário 'Mídia da Crise ou Crise da Mídia?', onde ele descreve a preleção de Carlos Augusto Montenegro, diretor do Ibope, no Fórum Empresarial realizado em Comandatuba no fim de semana anterior.

"...convocado para uma das preleções previstas pelo programa, falou de pesquisas e fez observações interessantes a respeito das próximas eleições, mas seu pronunciamento passou em branca nuvem nas páginas impressas e no vídeo. Arrisquemos um palpite: desta feita Montenegro não agradou à mídia e seus patrões. Exibiu números que confirmam o favoritismo de Lula e admitiu a chance de sua vitória já no primeiro turno, caso o PMDB não apresente candidato. E Montenegro dobrou a dose, e esclareceu que o próximo pleito se apresenta como confronto entre ricos e pobres, e estes estão, organicamente, com Lula."
Mino Carta - 'Os pobres contra os ricos' - Carta Capital

Ou seja, dados que anunciam o favoritismo e a radical mudança na composição do eleitorado de Lula para as eleições presidenciais de 2006 são apresentados para cerca de '320 CEOs de grandes empresas nacionais e multinacionais, dois Ministros de Estado, além de governadores, deputados e senadores' (composição do público em Comandatuba), entre eles certamente os principais dirigentes das maiores corporações de mídia, e mesmo assim tais informações continuam restritas ao comentário de Mino Carta e à cobertura universitária do 'mídia / crise'. Tenho que complementar o post com outro registro pertinente da fala de Paulo Henrique Amorim no seminário da UFRJ:

"95% da imprensa tenta abreviar ou desestabilizar o governo Lula; os outros 5% restantes se referem à revista Carta Capital."
Cobertura do 'Mídia da Crise ou Crise da Mídia?' - Felipe Musa

Vamos acompanhar o evento em Londres e seguir referenciando com o debate. Um diferencial importante a ser notado é que os patrocinadores do 'We Media Global Forum' são BBC e Reuters - duas das principais agências de notícias internacionais. E as nossas, o que estão fazendo?



UPDATE - Veja os vídeos de dois dos painéis apresentados (Google Vídeo):

  • Midiocracia (imperdível) - Como a democracia se constitui em aliança, conflito e composição com os meios de Comunicação. Democracia pela mídia e governo dos meios de comunicação.

    Palestrantes
    : Wanderley Guilherme dos Santos - Cientista Político e Professor da UFRJ e da Universidade Cândido Mendes . José Dirceu - ex-ministro da Casa Civil . Paulo Henrique Amorin - Jornalista da TV Record . Ricardo Kotscho - Jornalista e representante da Rede Globo do Projeto Globo/ Universidade . Giuseppe Cocco - Professor da UFRJ e representante da Rede Universidade Nômade


  • Midiativismo - Os novos intelectuais e atores políticos que utilizam a mídia e suas linguagens como forma de ativismo político e estético. A política do simbólico.

    Palestrantes
    : Franco Berardi - Professor da Universidade de Bolonha (Itália) Raul Sanchez - Professor da Universidad Nomada de Madrid (Espanha) Wallace Hermann - representante das Rádios Comunitárias e PontoComSaúde Geo Brito - representante do Centro de Teatro do Oprimido e da Universidade Nômade Giuliano Bonorandi - representante da Ação Cultura Digital e Rádio Interferência