Na rede

quarta-feira, dezembro 12, 2007

A trajetória de um webmaster governamental

Passadas duas semanas do lançamento da nova versão do website do Ministério da Cultura em Wordpress (ao lado), creio que agora dá para falar com um pouco mais de calma sobre o projeto, a novidade que ele traz para o governo, e o significado que enxergo em tudo isso na perspectiva da Ecologia Digital.

Mas quero antes mencionar um pouco da minha bagagem como 'webmaster' governamental, que pode adicionar informação relevante para o que desejo comunicar. Ainda em 1996, no antigo MARE (Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado), tive a oportunidade de juntamente com Roberto Dantas, realizar o registro do domínio brasil.gov.br e publicar a primeira proposta de integração do conteúdo web governamental. Ou seja, sou jurássico no pedaço. Desde então aprendi a defender o conceito de que a Internet no governo merece ser pensada com dedicação exclusiva, por um setor específico na instituição que possa conceber e implementar o uso qualificado das possibilidades da web pelas diversas áreas fins.

Na época, eu e Claudio Sato montamos a Assessoria Especial de Informações Institucionais do MARE, criada pelo então ministro Bresser Pereira para pensar a rede e propor usos estratégicos no âmbito do projeto de reforma do estado. O entusiasmo e a percepção do Bresser no tema era muito estimulante, e chegamos a realizar algo que até hoje ninguém repetiu no governo: um chat onde o ministro respondia diretamente às questões dos servidores sobre as mudanças no Regime Jurídico Único (RJU). Isto foi em fins de 1996!

Depois estive no Ministério da Ciência e Tecnologia, onde novamente trabalhei em um setor especializado em Internet que se chamava Coordenação Geral de Informação e Difusão Científica. Assim como aconteceu no MARE e novamente por influência direta do Bresser, a área não estava subordinada nem à Comunicação Social nem à Tecnologia da Informação, e sim ligada à Secretaria Executiva -- ou seja, próximo ao centro de decisão. No restante do governo a Internet seguiu seu destino incerto, ora tocada à base de releases burocráticos típicos das 'ascoms' da esplanada, ora subordinada às interfaces herméticas da turma dos 'CPDs'. Arrisco dizer que a situação permanece mais ou menos igual...

Depois de alguns apuros após a entrada do Lula, naquele momento em que os técnicos de governo foram 'perseguidos' politicamente como se todos tucanos fossem, fui 'descoberto' pelo Claudio Prado, amigo de Gil, através deste blog (é isto que eu chamo de monetização). O encontro de Claudio com Letícia Schwarz, minha colega dos tempos do Bresser, viabilizou a minha ida para o Ministério da Cultura. A proposta era ser Gerente de Informações Estratégicas -- mais uma denominação criativa para disfarçar que nosso foco principal é a rede -- e estar localizado na Diretoria de Gestão Estratégica da Secretaria Executiva, trabalhando diretamente com a Letícia e com Juca Ferreira, o vice de Gil.

Devo dizer que foi no MinC de Gil que os conceitos da Ecologia Digital embutidos na minha atuação dentro do governo encontraram respaldo e fruição total. E posso dizer também que a recente publicação do website institucional do ministério em Wordpress traduz a vitória de um conceito fundamental: o de que a utilização da web como ferramenta de comunicação pública pelos órgãos de governo é tão importante e estratégica que não pode ser terceirizada -- deve ser apropriada organicamente pela instituição. E também não pode ficar refém de concepções limitadoras, como em geral o são as visões clássicas da comunicação e da TI governamentais. É preciso estar preparado para inovar, e neste sentido o 'do it yourself' (DIY) proposto pelo movimento open source é o caminho a seguir.

Entretanto, é preciso fazer ressalvas. A experiência demonstrou que escolher uma solução open source qualquer não basta. No segundo semestre de 2003, recém chegado ao MinC e bastante influenciado pelas movimentações que o Sergio Amadeu realizava para a adoção de software livre no governo, me engagei no GT de Compartilhamento e Otimização de Recursos do Comitê Técnico de Gestão de Sítios e Serviços Online -- que foi uma tentativa da SECOM-PR em colocar alguma ordem nos sites governamentais. Me propus a realizar uma pesquisa entre os 'webmasters' da esplanada (dos ministérios) para saber o que cada um utilizava, e o objetivo era propor uma estratégia comum para adoção de rumos tecnológicos na questão da gestão de conteúdo web.

Ao cabo de minha pesquisa de campo, me dispus a apresentar os resultados obtidos em um evento promovido pelo Serpro, em dezembro de 2003. Mal sabia eu que o tal evento cumpria o objetivo de apresentar para o Comitê Técnico o Zope-Plone como o CMS (content manager system) ideal para o governo, e que os dados de minha apresentação eram absolutamente dissonantes com o hype promovido pelos donos da casa e seus poderosos parceiros naturais -- os Ministérios do Planejamento e da Fazenda. O argumento principal do meu discurso na ocasião era o de que todas as equipes de desenvolvimento dos órgãos eram formadas em asp, e a migração natural no emergente contexto do software livre no governo seria o php. Apresentar como solução geral uma aplicação (Zope) desenvolvida em Phyton, e com um banco de dados específico, levaria fatalmente ao seguinte cenário: manter os webmasters nas mãos de especialistas externos, o que praticamente inviabilizava o modelo 'do it yourself'. Conheço instituições governamentais que pagaram 1 milhão de reais(!) para terem seus websites desenvolvidos e implementados em Zope, e hoje não conseguem evoluir porque não têm mais como pagar a conta.

Mas mesmo o 'do it yourself' tem suas ressalvas. Minha frustração em conseguir uma aliança de governo em torno de um CMS integrador viável me levou a buscar uma solução php/mysql simples que viabilizasse a formação de uma comunidade de desenvolvimento open source intencional -- de governo. Foi então que embarcamos no Waram, uma solução simples gerada pelo Maratimba na prefeitura de sampa (Marta). Resultado: com as enormes restrições de equipe no MinC, e a mudança de governo em sampa, ficamos presos solitários em uma plataforma sem comunidade, sem condições de desenvolver e configurar novas possibilidades. Foram dois anos de ralação para entender o que havia dado errado no conceito, e o passo seguinte não poderia errar o alvo. Ou seja, 'do it yourself', mas nem tanto.

Foi aí que chegamos ao Wordpress, mas isto já é assunto para outro post...