Na rede

terça-feira, agosto 19, 2003

Semana de Software Livre no Legislativo: Convenção anual de hackers?!

Cá estou já devidamente acomodado no Americel Hall da Academia de Tênis de Brasília, no aguardo da sessão de abertura da Semana de Software Livre no Legislativo. Já consegui a tomada e o note está no ponto para a blogar o evento. O primeiro a falar na mesa repleta de autoridades é Richard Stallman, e sua apresentação é didática e esclarecedora no que toca os significados básicos do movimento pelo Software Livre:

"Significa que o usuário é livre. Significa que você é livre para usar o software como quiser, mudar, contratar um programador para ajustar o que for necessário caso você não programe, e também livre para distribuir o que desenvolveu. Significa que os usuários estão no controle, individualmente ou em grupo. Estamos aqui para afirmar que estas liberdades são muito úteis, e que negá-las vai contra princípios básicos do desenvolvimento da cultura humana. Por isso somos a favor do Software Livre.

Um cozinheiro é livre para utilizar receitas, e livre para acrescentar ingredientes ou mudar quantidades e procedimentos, adaptando a receita original às suas peculiaridades, sem que para isso tenha que pagar por uma licença de uso. Assim deveria ser na questão do software.

Liberdade é importante. Em algumas situações somos obrigados a lutar por nossa liberdade. Creio que no caso do software não temos que pegar em armas para garantir liberdade, mas talvez seja necessário algum tipo de esforço, uma aposta na mudança. Sem um impulso, os usuários ficam isolados pelas restrições impostas pelo código fechado, e não conseguem perceber as possibilidades que o Software Livre apresenta.

Para efetivar a mudança é importante implantar SL nas escolas, não somente para cortar custos, mas para treinar os futuros adultos nesta tecnologia. Para escrever bom código, há que se ler e escrever bom código. Com o software proprietário você não vê o código – é tudo secreto, não se pode aprender.

Escolas primárias deveriam ensinar as crianças a ajudar seu vizinho. Em escolas secundárias deverão ser os alunos os responsáveis pelo suporte às redes e aos computadores. A sociedade ainda não entendeu bem os aspectos de liberdade que os computadores podem proporcionar. Estou falando aqui do que aprendi."
O ministro Gilberto Gil também foi instigante e arrojado. Eu diria até... lisérgico, mas talvez a melhor descrição de sua apresentação seja: "contra-cultural". E foi o único a enfatizar o aspecto ideológico da questão. Não é por acaso que os diversos atores da TIC governamental vêm adorando o arrojo do MinC em atrair a discussão do futuro digital do país para o âmbito da cultura. A transversalidade da abordagem vem facilitando a ultrapassagem de obstáculos e contradições que há muito emperravam a atuação do governo na concepção de projetos para o ambiente digital:

"O novo contexto ideológico clama por participação horizontal da população nos avanços teconológicos. Contextualizando o mundo digital no campo cultural, não devemos nos esquecer que a cultura digital viveu momentos decisivos sob o signo da utopia. Jovens californianos criaram o PC (personal computer), e na mesma época e local, uma outra turma preparava a migração contracultural das viagens de LSD para os laboratórios de alta teconologia e para o sonho da realidade virtual. A Califórnia era ao mesmo tempo o centro da viagem contracultural, e a vanguarda da pesquisa tecnológica. Alteradores de estado de consciência aliados a grandes escritores de código.

Nesta época já se configurava o contraculturalismo eletrônico, e nada mais natural portanto, desta perspectiva cultural, do que a movimentação em direção ao Software Livre. É mais um projeto de nossas utopias realistas, e será básico para que tenhamos asseguradas nossa liberdade e autonomia no século XXI. E é por isso que o governo Lula deve caminhar para a transformação do Brasil
no pólo internacional de Software Livre no mundo."

(veja a íntegra do discurso do ministro Gil no site do MinC)

Da sessão solene de abertura, foi o que ficou. Os Zés Dirceu e Sarney conferiram o peso político necessário ao evento, mas só. De minha parte, a todo momento me dou conta de como este seminário é importante, e também totalmente improvável de acontecer em qualquer situação que não a de um governo legitimamente popular como o do presidente Lula. O mundo hacker está em êxtase. Na seqüência, mais sobre o evento.