Na rede

sexta-feira, agosto 13, 2010

Neutralidade da Rede: Google mostra suas verdadeiras cores? E você?


Os grupos que defendem os princípios abertos da Internet foram seriamente impactados nesta segunda-feira por um anúncio conjunto do Google e da Verizon, propondo um novo framework legislativo para implementação do tão mencionado (e pouco compreendido) conceito de 'neutralidade da rede'.

Antes de ir mais fundo no tema, vale dizer que a princípio básico original de 'neutralidade da rede' determina que provedores de acesso à Internet não podem exercer qualquer discriminação entre os diferentes tipos de dados que trafegam na rede aberta. No recente processo de construção colaborativa do Marco Civil da Internet no Brasil, a proposta final contempla em seu artigo art 2º, onde trata de fundamentos e princípios do uso da rede, o inciso 7º, que menciona a 'preservação e garantia da neutralidade da rede'.

Entretanto, é preciso um pouco mais de contexto para entender o significado mais amplo do anúncio Google Verizon. Há anos vem se desenrolando o debate nos EUA, no congresso e na FCC (Federal Communications Commision), em torno de uma possível regulamentação do princípio de 'neutralidade da rede'. No último ano, uma consulta pública com o objetivo de criar algum tipo de regulação neste sentido recebeu dezenas de milhares de comentários, e entre os especialistas não há consenso sobre o real valor da ingerência de governos no funcionamento da Internet. Mesmo entre os que concordam com o princípio original da neutralidade, existem aqueles que temem o 'efeito cavalo de tróia' decorrente de qualquer poder de interferência concedido.

É neste cenário que surge a proposta Google Verizon. Vale conhecer as 7 diretrizes anunciadas.

Por um lado, apresenta iniciativas que buscam uma regulação factível para a 'neutralidade da rede', confirmando a prerrogativa original do princípio (ao menos para as redes cabeadas), propondo ao FCC um modelo de análise caso-a-caso das transgressões que seja consistente com requisitos técnicos adotados por organização (standard setting) amplamente reconhecida pela comunidade da rede, e exigindo transparência por parte dos provedores em relação às características e capacidades dos serviços oferecidos aos usuários.

Até aí, tudo bem. O problema aparece com as demais diretrizes que, de um modo ou de outro, abrem brechas para que o princípio original de neutralidade seja 'contornado' em situações específicas. Aqueles que sempre acreditaram na política do 'we are not evil' do Google, e na sua força para garantir a rede aberta e neutra, talvez devam começar a se preocupar, e fazer algo.

Google surpreende, a rede reage

A reação da rede ao anúncio conjunto é bem representada pelo post de Jeff Jarvis ('Internet-Schminternet'), que sinaliza a possibilidade de surgimento de duas internets diferentes: uma internet 'normal', e outra caracterizada por serviços premium, a Shminternet (algo a ver com o Eric?), que poderão ser precificados no estilo típico das teles.

O post do Ryan Siegel na Wired ('Why google became a carrier humping net neutrality surrender-monkey') descreve bem a retirada estratégica do Google em seu plano de confrontar as teles em seu próprio mercado. A mudança de curso foi brusca e rápida: em janeiro deste ano o Google lançava o Nexus One, o primeiro smartphone desenhado especialmente para rodar o sistema operacional Android, e anunciava bombasticamente a sua venda direta pela web.

O plano óbvio do gigante das buscas era que as teles corressem para figurar no list-box ['escolha sua operadora'] do formulário web de compra do Gphone. Entretanto, 4 meses depois, apesar do Android seguir bombando mundo afora em equipamentos cada vez mais sofisticados lançados em campanhas milionárias bancadas pelas.. teles, a tão festejada e-loja que iria transformar o jeito de se adquirir um 'telefone' foi fechada. Enfim não se pode vencer todas, e na lógica do mercado, a barganha parece justa.

Mas o fato é que a empresa das letras coloridas, durante seus anos dourados, voluntariamente construiu para si mesma a imagem do paladino da rede, aquele que não iria transigir com qualquer ataque aos princípios de abertura e neutralidade da Internet, jamais. É fácil perceber que a reação da rede ao anúncio desta semana tem um ar de desencanto, como se o nosso herói preferido fosse flagrado em uma falta imperdoável. O post de David Weinberger ('Notes from a disappointed fan boy') é um ótimo retrato do sentimento de traição compartilhado por muitos: 'agora eu tenho que me preocupar com o fato do Google chegar em casa tão tarde, e com o perfume da Verizon em sua lapela'.

O novo discurso Googizon

Ao emitir esta semana um comunicado conjunto com a Verizon introduzindo o conceito de 'gerenciamento de rede razoável' (reasonable network management), o Google certamente supreendeu seus fãs mais leais. A EFF (Electronic Frontier Foundation), principal organização ativista pela liberdade da rede levanta a questão: tal gerenciamento 'razoável' por exemplo, permitiria o bloqueio de serviços como o BitTorrent? Boa pergunta..

Outra das 7 diretrizes apresentadas introduz o perturbador conceito de Serviços Online Adicionais (Additional Online Services), que 'deve ser distinto em escopo e objetivos do serviço de acesso à Internet, mas que poderia fazer uso ou acessar conteúdos, aplicações e serviços da rede, e implementar priorização de tráfego'(!). Dá para enxergar a tal Schminternet..

Mas a coisa pega mesmo na diretriz que propõe "isentar provedores de banda larga sem fio (wireless) de cumprir o princípio de não-discriminação", ou seja, as operadoras que oferecem acesso wireless não estarão obrigadas contemplar o princípio de neutralidade da rede. Desde o ano passado se especulava sobre a posição do Google nesta questão, e a declaração desta semana é uma guinada radical em relação a posicionamentos anteriores:

"Devido às características únicas, técnicas e operacionais das redes sem fio, e à natureza competitiva e ainda em desenvolvimento dos serviços wireless broadband, só o princípio da transparência se aplica neste momento."

Entretanto, em abril eles diziam:
"Não obstante todas as diferenças técnicas entre as redes fixa e móvel que podem justificar a aplicação de exceções razoáveis para o gerenciamento de rede, numa base caso-a-caso", o Google, então, insistiu, "os registros indicam que, na ausência de uma norma eficaz e exequível para proteger os consumidores e a concorrência, todos os provedores de bandalarga de última milha têm os mesmos incentivos à discriminação. "

Como bem assinalado por Matheus Lasar no Ars Technica ('A paper trail of betrayal: Google's net neutrality collapse'), entre abril e agosto, parece que muita coisa mudou para o Google. Parece agora fazer parte de outro clube. Em seu blog oficial demonstrou supresa frente à reação contrária da rede ao anúncio Googizon. Parece estar convencido de que 'garantir a implementação de proteções mínimas é melhor do que não garantir nenhuma proteção'. Justifica a iniciativa dizendo que a questão da 'neutralidade da rede' se tornou um tema intratável pela classe política.

Susan Crawford no GigaOm ('The FCC needs to do the hard thing, because its whats right') chama a atenção para a importância do papel do estado neste momento em que empresas demonstram a intenção de repartir entre si recursos estratégicos de interesse público como é o acesso à Internet. Como uma das principais especialistas no assunto, conclama as autoridades competentes à ação imediata para proteger os empresários, a inovação e os consumidores.

E você, o que tem a dizer?

No Brasil temos em curso o processo de construção do Programa Nacional de Banda Larga, que recentemente inaugurou o 'Forum Brasil Conectado'. A rede CulturaDigital.BR participa do processo de formulação participativa, e nesta sexta-feira (13/08) apresentou algumas observações para a sessão temática que irá tratar de 'neutralidade da rede' na próxima reunião do Fórum, nos dias 24, 25 e 26 de agosto em Brasília. Você também pode participar, inserindo comentários neste tema ou nos demais.

sexta-feira, agosto 06, 2010

Información Cívica: David Sasaki pesquisa o uso da tecnologia na sociedade


Alguns de vocês tiveram a oportunidade de conhecer o David Sasaki, que teve uma participação destacada em nosso 'Seminário Internacional' em novembro passado, e escreveu ótima resenha sobre o evento. David é na minha opinião um dos principais especialistas em cultura digital no mundo, e depois de 5 anos como um dos principais operadores do projeto Global Voices -- recentemente coordenando a iniciativa 'Rising Voices' --, parte para uma nova e interessante empreitada. Tão interessante que vale o registro e a referência por aqui.

David conta que em seu período no GV, "era constantemente surpreendido e frustrado com a pouca comunicação e colaboração existentes entre a nova geração de ativistas tech-savvy, e as organizações mais tradicionais da sociedade civil". Hoje ele está lançando, com o apoio do Open Society Institute, um projeto que tem o objetivo de ajudar a diminuir esta distância: Información Cívica.

http://informacioncivica.info

Nos próximos seis meses, David circulará pela América Latina documentando e avaliando o uso de tecnologia e mídia digital por ativistas da sociedade civil. A idéia é publicar pelo menos 25 estudos de caso em profundidade, que incluem entrevistas em vídeo com alguns dos principais grupos da sociedade civil da América Latina. Até agora, há dois vídeos que estão disponíveis em Inglês e Espanhol:


Além dos estudos de caso, o site seguirá publicando posts relacionados ao uso da tecnologia pela sociedade civil. Você perceberá que a princípio a maioria dos conteúdos está relacionada com o México, mas o conteúdo irá se diversificar na medida em que David seguir visitando outros países da região. (Um itinerário completo está na página Sobre).

O projeto 'Información Cívica' tem também uma página no Facebook, uma conta Delicious para compartilhar artigos interessantes, um calendário de eventos relacionados com a sociedade civil e tecnologia, um grupo LinkedIn para construir um diretório latino-americano de formadores em mídia digital, e uma conta de Twitter, porque ... afinal, todos tem uma conta no Twitter agora, certo? (Há também uma conta no Twitter em espanhol).

David manda avisar que o site ainda tem alguns bugs bem e precisa de algumas melhorias. Na próxima semana todo o conteúdo estará disponível em espanhol, além do Inglês, e haverá também um podcast de vídeo semanal apresentado no diretório de podcasts do iTunes. Por agora, David pede feedback sobre como o site e o projeto podem melhorar. Que tipo de conteúdo que você gostaria de ver em destaque? O que poderia tornar os estudos de caso mais uteis?

De minha parte estarei acompanhando mais esta empreitada do David Sasaki, grande figura. Acho que vcs deveriam fazer o mesmo.. :-)