Na rede

sábado, março 25, 2006

A 'economia da atenção'


Há algum tempo venho acompanhando o movimento do conceito da "economia da atenção", tendo inclusive publicado um artigo ("O novo valor econômico: a ATENÇÃO") na seção 'cultura digital' que estou editando no site do MinC, e desde há muito me tornado membro da 'Attention Trust', a primeira organização criada para defender os direitos de indivíduos sobre seus dados de atenção, e que desenvolveu o primeiro 'attention recorder' (gravador de atenção).

Mas afinal, de que estamos falando?

"Quando você presta atenção a algo (e também quando você ignora alguma coisa), informação é criada. Estes dados de atenção são recursos valiosos, que refletem seus interesses, suas atividades e seus valores"
Attention Trust - About

Todo link que você visita, toda busca realizada, compras online... em síntese: todo movimento no ambiente digital pode ser registrado, armazenado, organizado e utilizado das mais variadas formas. O Google é a empresa que melhor utiliza este recurso até agora, coletando toda a informação de atenção (attention data) disponível e tratando-a de forma a posicionar anúncios de seus clientes à vista de usuários que, segundo as indicações, têm maiores chances de clicar 'naquele link'. O fato da empresa criada por Larry Page e Sergey Brin ter conseguido quadruplicar o valor de suas ações em apenas um ano e meio é indicador que ilustra como esta nova abordagem traz uma vantagem competitiva no estado atual da economia.

Entretanto, pelo rumor dos eventos específicos sobre o tema atenção (o'reilly's etech, pcforum e sdforum), e do debate na blogosfera na última semana, vemos que esta perspectiva pragmática da 'economia da atenção' é apenas uma dentre os possíveis desenvolvimentos. Doc Searls em seu artigo 'The Intention Economy' indica que o conceito de atenção, tratado dessa forma, continua colocando as empresas - o 'vendedor' - no centro. Em sua visão, o conceito de 'intenção' poderia ser mais apropriado ao colocar o foco no indivíduo, o 'comprador'. Tal abordagem poderia alavancar a construção de soluções técnicas baseadas em dados de atenção que auxiliem o indivíduo a conseguir o que deseja dos mercados, ao invés de auxiliar o 'vendedor' a capturar a atenção dos 'compradores'.

Seth Goldstein, Steve Gillmor e Dave Sifry (Technorati) no SDForum SearchSig - 'The Search or Attention' -
Foto do flickr - usuário PrivateEye

Outro dia, escutando o 'Gillmor Gang' (um dos meus podcasts favoritos) sobre o debate "The Search for Attention" do SDForum Search Sig, pude perceber a força do meme 'atenção' entre os que compõem a vanguarda da web 2.0. Steve Gillmor está saindo da AttentionTrust (é um dos fundadores, mas declara que já estamos na era 'pós-atenção') para se dedicar ao desenvolvimento da idéia de 'Gestures' e a criação do GestureBank.
"Gestures (gestos). É a terceira perna do tripé, juntamente com a AttentionTrust e o gravador. Porque gestos? Com a AttentionTrust eu afirmo o direito de controlar os meus metadados, e o gravador é uma implementação de referência para que cada um de nós tome posse desses dados. Entretanto, aplicações precisam de um fluxo de dados para linkar as intenções do usuário em uma base agregada. E por sua vez, os usuários têm que ter uma maneira de guiar ou influenciar os serviços recolhidos do reservatório aberto de dados (open pool of data) de acordo com suas necessidades e perspectivas individuais. Separando os fluxos de atenção em dois canais, um de metadados agregados anônimos, e outro de gestos (gestures) e metadados privados, podemos criar uma ferramenta poderosa análoga aos fundamentos do software livre e dos padrões abertos. Isto é o GestureBank -- você pode utilizar seus serviços somente quando você contritui para o reservatório aberto de dados (open pool of data)"

Steve Gillmor - AttentionTrust and GestureBank

Outra aplicação com base no conceito de atenção já funcionando é o Root.net, projeto desenvolvido por Seth Goldstein (outro fundador da AttentionTrust) que capta 'dados de atenção' recolhidos pelo Attention Recorder e os disponibiliza de variadas formas. O plano é se transformar em um 'corretor de atenção' entre usuários que desejam compartilhar seus dados de atenção e entidades que tenham interesse pela informação. No outro evento da semana, o PC Forum, um dos temas foi também a retomada de controle, pelo usuário, de seus dados e identidade online. Mas na perspecitva das empresas, esta apropriação por parte dos usuários ainda é um longo caminho a ser percorrido.

"Existe muita ansiedade entre as empresas sobre o que fazer com os 'dados de atenção' dos usuários, porque está claro tal informação não lhes pertence para que seja usada de acordo com seus interesses. No PCForum, perguntei a representantes de Yahoo, Google e outras empresas se eu poderia obter e usar uma cópia de meu histórico de buscas. Suas respostas foram evasivas."
Seth Goldstein - SDForum's Search SIG: The Search for Attention

Diante de tantas perspectivas interessantes, este debate sobre a 'economia da atenção' poderia já estar esgotado. Entretanto, foi de Michael Goldhaber na Etech a conferência que trouxe uma visão mais radical e abrangente do conceito, a ponto de o levar a ser aclamado pelos colegas como o 'einstein da atenção'.

"Pense no mundo humano como um gigantesco jogo de rpg interativo (o que realmente é). Na medida em que as interações vão se transformando, vamos passando mudando de nível, algo que não acontece neste grau de profundidade há séculos. As regras, valores fundamentais, tudo está se transformando em relação ao que era familiar no nível caracterizado pela troca de Dinheiro, a prevalência dos Mercados, e a dominância da produção Industrial de bens padronizados (chamaremos este nível de DMI). O novo nível também se desenvolve em função dos desejos e habilidades humanas, mas agora o que mais importa são nossas habilidades estritamente limitadas de prestar atenção, e nosso muito maior (na média) desejo de receber atenção. A transição completa entre os níveis ainda vai durar algumas décadas, mas já estamos no caminho."
The real nature of emerging attention economy - Michael Goldhaber - Keynote on ETech 2006

Phill Windley estava lá e tomou algumas notas preciosas, já que a íntegra da apresentação deve permanecer fora da rede até o lançamento do livro que Goldhaber vem desenvolvendo desde os anos 90, e está próximo de lançar. Na conferência ele apresenta uma analogia entre modelos econômicos historicamente definidos e os diferentes níveis de um jogo mmporpg - o primeiro nível foi a economia feudal (800-1200), de onde emergiu o sistema DMI (dinheiro, mercados, industrialização) que funcionou de 1650 a 1980 (o intervalo é a transição). O próximo nível seria a economia da atenção, que não pode ser descrito ou explicado em termos do sistema DMI, da mesma forma que o mercado de ações não pode ser descrito nos termos da sociedade feudal.

A passagem do sistema feudal para o sistema DMI aconteceu porque a Europa ocidental sentiu-se segura o bastante para promover os espaços públicos nas cidades, viagens seguras, e a extinção do modelo de exploração do trabalho escravo. A ultrapassagem do sistema DMI acontece em função da abundância material em alguns extratos da sociedade moderna e, segundo Goldhaber, pela aberturas promovida por espaços onde acontece massiva troca de informações como as grandes escolas de segundo grau e universidades, a mídia de massa, e a Internet. As metas mudaram de lealdade para bens materiais, e então para atenção. Os papéis mudaram de cavaleiros, para proprietários, e então para astros e fãs.

O post acabou ficando gigante, mas para falar sobre a 'economia da atenção' e os desenvolvimentos pertinentes nesta altura do campeonato não dá para ser sintético. Espero podermos desenvolver um pouco mais nos comentários... alô alô!

quinta-feira, março 02, 2006

Ecodigital +10: Boyle e Lessig comemoram uma década de 'ambientalismo cultural'

Acontecerá nos dias 11 e 12 próximos, no 'Centro para Internet e Sociedade' da faculdade de direito de Stanford (San Francisco - California), o simpósio 'Cultural Environmentalism at 10' que marca 10 anos de criação da metáfora 'Ambientalismo Cultural'. Não poderíamos deixar de destacar o evento, já que o blog Ecologia Digital e o site correlato nasceram de minha perplexidade frente à pertinência e propriedade da abordagem elaborada por James Boyle há uma década.

O próprio Boyle, acompanhado de ninguém menos que Lawrence Lessig, estarão comandando o simpósio e recebendo os conferencistas selecionados: Molly Van Houweling irá explorar a manipulação voluntária da propriedade intelectual (ex.: licenças creative commons) como ferramenta de ambientalismo cultural; Susan Crawford irá ampliar a perspectiva de Boyle focando as especificidades do universo das redes; Rebecca Tushnet comentará sobre como a tendência generalizadora das leis pode inviabilizar o 'ambientalismo cultural'; e Madhavi Sunder aborda como a metáfora interfere na questão do conhecimento tradicional (este é quente!).

Em recente artigo no Financial Times, onde agora é colunista de 'new economy'(!), James Boyle relata que em 1996 tentou publicar um texto sobre propriedade intelectual, costurando os temas 'internet', 'liberdade de expressão' e 'acesso à informação', e o editor achava que o tema central seria pornografia e censura. Não era. Boyle tratava de patentes de software e regras para o direito autoral no ambiente digital. Já naquela época preocupava-se com regulações que responsabilizavam os provedores por qualquer coisa que um usuário fizesse online, e com as persistentes extensões do período de cobertura dos direitos autorais que resultaram no confinamento de toda a cultura do século XX (mesmo os conteúdos não disponíveis comercialmente). Tudo isso acontecendo exatamente no momento em que poderíamos sonhar em tornar tudo isso facilmente acessível por todos.

Boyle percebeu claramente que, em 1996, o tema propriedade intelectual era árido o suficiente para só interessar a especialistas da indústria. Na prática, estavam sendo redigidas as regras básicas da 'era da informação', que iriam interferir dramaticamente na liberdade de expressão, na inovação, na ciência e na cultura do futuro próximo, e ninguém - exceto os players da indústria - estava prestando a devida atenção.

Foi aí que surgiu a analogia ao movimento ecológico que, de forma brilhante, tornou visível os efeitos de decisões sociais relativas ao meio ambiente, trazendo à luz do debate democrático um conjunto de assuntos que, até então, eram restritos a especialistas. Era urgente a formulação de um ambientalismo da mente, uma economia política para a era da informação - era necessária uma ecologia digital.

E tudo começa com o lançamento do livro "Shamans, Software and Spleens" (1996), enfocando uma decisão da Suprema Corte americana em 90 (Moore v. The Regents of the University of California) que regulamentou a possibilidade de se patentear DNA retirado do corpo de terceiros. Expandindo as idéias apresentadas na "Declaração de Bellagio" de 93, que contou com sua co-autoria, Boyle buscou construir uma teoria social da sociedade da informação.

De lá para cá, parece que a ecologia digital vem colecionando derrotas: os termos limite de copyright foram extendidos, alargaram-se os limites da lei de marcas, e a lei de patentes avança na cobertura de algoritmos e idéias básicas. Registre-se que em nenhum desses casos houve demonstração evidente de que a nova proteção seria necessária ou desejável.

Mas existem motivos para otimismo. A existência deste blog no Brasil pode ser um sinal, um reconhecimento de que estes são assuntos que merecem atenção e difusão pública, e sobre os quais cidadãos podem/devem debater. E já temos os nossos equivalentes do Greenpeace. Também a indústria, devagar, começa a compreender que seus interesses no assunto podem ser vistos sobre novas perspectivas. Boyle sugere as diferenças marcantes entre IBM e Microsoft, e entre a indústria de hardware e a da música como exemplos do novo quadro. Na medida em que a propriedade intelectual começa a interferir na vida de quem participa na criação da cultura digital, o cidadão comum começa a ter algo a dizer no assunto. Pode ser que no debate ainda não esteja equilibrado, mas pode-se dizer que hoje, trata-se de um debate - e não um monólogo da indústria do conteúdo.

Portanto temos o que comemorar, e vamos tentar acompanhar o simpósio para trazer as novidades pertinentes ao público da ecologia digital.

UPDATE 13/03/06 - Joe Gratz realizou ótimo liveblogging das conferências do evento, que linko abaixo: