Na rede

quinta-feira, setembro 30, 2004

A importância da TI
- Aumenta ou diminui com o advento do open source?

O Suitwatch desta semana traz uma argumentação interessante do Doc Searls sobre o significado da Tecnologia da Informação no mundo dos negócios, frente ao paradigma apresentado pelo modelo open source. Inicia citando o artigo de Nicholas Carr publicado na Harvard Business Review (Maio, 2003), "IT doesn't matter" (Ti não importa), onde o autor faz um paralelo da tecnologia da informação com tecnologias como estradas de ferro e energia elétrica.

Nesta perspectiva, por um breve período enquanto estão sendo construídas na infraestrutura do comércio, estas "tecnologias infraestruturais" abrem oportunidades para empresas com bom planejamento alcançarem grandes vantagens competitivas. Na medida em que a disponibilidade da tecnologia aumenta e os custos diminuem, tornam-se commodities -- do ponto de vista estratégico, deixam de ser importantes.

Em aparente contraponto, Doc apresenta um artigo de Paul Graham (autor de "Hackers & Painters"), "What the Bubble Got Right", onde é colocada a importância crescente das "boas idéias" em nosso tempo.

"Aqueles garotos de 20 e poucos anos terão uma vantagem cada vez maior sobre os cinquentões 'bem-relacionados' no mercado. As pessoas serão mais recompensadas em proporção ao valor do que criam."
Paul Graham - "What the Bubble Got Right"

No caso, a palavra chave é "infra-estrutura": Carr está certo ao observar a natureza de commodity dos elementos de infraestrutura de TI no modelo open source, mas falha em perceber a natureza única destes elementos. Diferentemente dos metais -- oriundos da mineração e da metalurgia -- que produzem estradas de ferro e redes elétricas, os bens de TI são frutos da criatividade humana. Dada a natureza mental das fontes dos bens de infraestrutura de TI, estes evoluem muito mais rapidamente do que qualquer outra coisa que até hoje tenha recebido o rótulo de commodity. Neste sentido, nada pode importar mais do que TI.

Entretanto, empresas como Sun e Oracle, que se colocam como "amigas" do Linux e do modelo open source, também têm se manifestado de maneira sombria sobre as perpectivas do mercado. Qual seria a melhor forma de entender a questão? Doc:

"A melhor forma de esclarecer esta confusão é reconhecer que existem duas comunidades open source diferentes, mas que se sobrepõem. Uma produz os bens, a outra os coloca em uso. Podem ser chamados de desenvolvedores e implementadores. Temos que fazer a distinção porque na medida em que o modelo open source alacança sucesso no mercado, o segundo grupo crescerá muito mais rapidamente que o primeiro, mesmo permanecendo muito menos visível.

Desenvolvedores são mais visíveis que implementadores porque são eles que produzem os bens, e como tais são mais facilmente identificados por Microsofts e Suns e Oracles como competidores. O que estes revendedores não enxergam é que a comunidade open source que mais importa é aquela sobre a qual temos escutado menos. Para cada estrela do mundo do desenvolvimento open source, existem milhares de outros profissionais de TI que estão silenciosamente construíndo infraestrutura baseada no modelo open source.

Suas práticas, que estão todo dia sendo aperfeiçoadas e compartilhadas com seus colegas, são não menos importantes e muito mais estratégicas do que o trabalho ora desenvolvido pelas comunidades de desenvolvimento das quais dependem. Ambos são partes do mesmo movimento, e já é tempo de prestarmos atenção ao aspecto prático da coisa".
Doc Searls - "Shedding the Darkness" Linux Suitwatch

segunda-feira, setembro 20, 2004

Microsoft abre o código do Office?
- Por enquanto só para governos, seus parceiros confiáveis

Ao ver um comment no post anterior me chamando de "linuxista de m...", e depois de checar o post "influenciadores" (e também os comments) no Jonas Galvez, fiquei elocubrando sobre os aspectos positivos da Microsoft enquanto empresa de tecnologia. Algo assim como um exame de consciência para ver se minha crítica estava demasiadamente colorida por ideologia. Foi quando deparei com o anúncio durante o fim de semana: "Microsoft Announces Government Shared Source License for Office". (Bill gates abrindo o código do Office?!)

O significado óbvio da oferta é a abertura (parcial) do código do pacote Office para governos, sob as orientações do programa GSP (segurança para governos) da Microsoft - uma forma de aplacar a fuga de países do modelo windows/office por questões de segurança. O timing da oferta coincide com conferência anual do OpenOffice.org em Berlim, e é providencial como resposta à crescente pressão da união européia sobre padrões interoperáveis em documentos. A pergunta é: o movimento tem real significado para a comunidade?

Não posso deixar de concordar com Simon Phipps, que vê na estratégia uma dissimulação que integra a estratégia de lobby da Microsoft contra o modelo open source. Além do estranho acordo M$-Sun que reserva a Gates o direito de processar usuários OpenOffice, a recusa em participar do esforço da OASIS para desenvolvimento de padrões para formatos de arquivos para aplicações de produtividade indica que a oferta do fim de semana tem o objetivo de apenas "parecer" uma resposta a questões importantes. Mas em nome da imparcialidade, vamos acompanhar...

quinta-feira, setembro 16, 2004

Pontos de Cultura
- Do-in antropológico via massageamento cultural

O chefe, Ministro Gilberto Gil, juntamente com o ministro do trabalho, Berzoini, e também o Antônio Albuquerque (Gesac - Minicom), acabam de apresentar em coletiva de imprensa o resultado do processo seletivo que elegeu os projetos de inclusão digital e promoção cultural integrantes da primeira fase do projeto Pontos de Cultura - Cultura Viva. São 214 iniciativas (entre 800 enviadas) espalhadas por todo o país contempladas com as diferentes dimensões do projeto:

  • Repasse de recursos em dinheiro no valor de R$ 150.000,00 por ponto (período de 2 anos e meio - R$ 5.000,00 por mês);
  • Kit de Cultura Digital (equipamentos com software livre e acesso à internet, para produção e edição multimídia) Custo estimado: R$ 25.000,00;
  • Oficinas, cursos, acompanhamento, intercâmbio e instigação via os meios de difusão do Cultura Viva;
  • Xemelê - Plataforma web de distribuição - Compartilhamento das produções simbólicas e conhecimento tecnológico, gerados pela ação autônoma em rede dos pontos de
    cultura.a rede

Sou suspeito para falar do projeto, pois acompanho a galera que vem malhando em cima dos conceitos há algum tempo, mas hoje foi o dia de dar nó na garganta. Ouvir o Célio Turino (grande figura, secretário de Programas e Projetos Culturais do MinC) falar sobre o projeto lavou a alma de quem vem sofrendo com os obstáculos burocráticos e institucionais típicos quando se trata de experimentar modelos inovadores no âmbito governamental (alô Claudio Prado!). Parece que REALMENTE É POSSÍVEL!!

O ministro Berzoini (trabalho e emprego) compareceu trazendo a notícia da parceria acertada com o MinC para a implementação de cinco mil bolsas do programa Primeiro Emprego – 50 bolsas para cada Pontos de Cultura. Cada jovem contemplado receberá R$ 150,00 ao longo de seis meses ou seja, R$ 900,00 ao todo. E o Gesac do ministério das comunicações entra garantindo a infraestrutura de conexão.

Para encerrar, o ministro Gil foi breve ao descrever as "sinergias intermináveis" que podem acontecer a partir do momento que estes espaços massageados comecem a liberar a energia produtiva reprimida pelo esquecimento social, e saudou o envolvimento interministerial que já começa a acontecer desde já. Arrematou comentando que já era chegada a hora de, neste País, se "baratear o que é caro" (subsidiar tecnologia de ponta - e livre - para produção cultural na periferia), e "encarecer o que é barato" (potencializar, dar visibilidade e viabilidade à real cultura brasileira ).

...clarear caminhos, abrir clareiras, estimular, abrigar. Para fazer uma espécie de ‘do-in' antropológico, massageando pontos vitais, mas momentaneamente desprezados ou dormecidos, do corpo cultural do país ...
Será o espaço da experimentação de rumos novos. O espaço da abertura para a criatividade popular e para as novas linguagens. O espaço da disponibilidade para a aventura e a ousadia. O espaço da memória e da invenção
”.
Célio Turino (grande figura, secretário de Programas e Projetos Culturais do MinC)

PS: lembrando Preto Ghoez... na última reunião neste mesmo auditório, cá estava ele... creio que esteve hoje aqui novamente.

segunda-feira, setembro 13, 2004

Novidades na ecologia da música na rede
- Tem gente novamente querendo tudo para si

Lá vem Bill Gates novamente, arrombando o mercado de música na rede. O lançamento é uma estratégia integrada, composta dos lançamentos (beta) do portal MSN-Music, e da versão 10 do Windows Media Player -- ou seja, um aplicativo com uma loja dentro. E é o mesmo aplicativo que, por ser implantado (originalmente e de forma indissociável) no sistema operacional Windows, causou à M$ uma multa recorde(!) da União Européia por práticas monopolistas.

Detalhes do MSN-Music: US$0.99 por música, albuns a 9,90 (9 cents a menos que no iTunes!!), e o DRM sofisticado permite que você espalhe sua música adquirida em até 5 computadores, queime até 7 CDs de uma playlist, e transfira o arquivo para o seu "portable device" quantas vezes quiser -- caso à parte são os celulares. Certamente estão reformando a prisão para que nos sintamos completamente em casa dentro dela.

Enquanto isso, na periferia da rede as iniciativas são bem mais interessantes. Não que estejamos falando de assaltos aos princípios da propriedade e da lógica de mercado. Apenas imaginamos situações onde obter o máximo em termos financeiros não seja o objetivo principal da empreitada, e que ao final, inteligência e princípios ecológicos específicos do mundo digital possam agregar valores que permitam a sustentabilidade de projetos que promovem a cultura livre (e de output gratuito sim, porque não? Ex.:-)

Last.fm é um site de rádio online que disponibiliza audição gratuita, mas que conta com um plus interessantíssimo: funciona de forma integrada com o Audioscrobbler, um plugin que enxerga diretamente as playlists do Winamp e/ou iTunes em sua máquina e envia suas preferências para um servidor. Dessa forma, Last.fm configura uma estação de rádio personalizada baseada no seu gosto musical(e pode-se gravar o streaming com StepVoice).

O mais interessante é podermos entrar nas rádios de outros usuários, diversificando de forma qualificada nossas preferências. Por outro lado, sempre há a chance de investigar no site sobre os CDs originais das músicas que tocam, o que significa um poderoso marketing qualificado em favor da moribunda indústria fonográfica. E afinal, tudo isso significa música de qualidade e de graça para os usuários. Vale aqui lembrar o que fizeram com as web radios.

A viabilidade legal da Last.fm, que conta com 100 mil músicas próprias, acontece em função de um contrato com a MCPS-PRS Alliance -- o correlato inglês da RIAA -- e também devido a um contato favorável com as gravadoras na oferta de promoções e pesquisas de marketing. Sob qualquer ponto de vista, uma solução muito mais inteligente e saudável para viabilizar a música na rede -- bem diferentemente da tática nazista de processar os usuários.

Bonus links: Vale à pena conferir o catálogo da Magnatune, uma forma inovadora de distribuir música online; e ainda no mundo da música livre (neste caso, só para Linux): Gnomoradio, aplicativo que encontra, organiza, compartilha e toca músicas gratuitamente disponíveis (registradas em licenças Creative Commons) para compartilhamento como arquivos.

UPDATE: Não podia deixar de citar a artigo no NYTimes (via HD) que afirma categoricamente:

"Fazer download de música na Internet não é ilegal. Muitos dos arquivos disponíveis online são não apenas grátis, mas também facilmente acessáveis, legais e -- o mais importante -- vale à pena escutá-los. Enquanto a indústria da música ataca com processos e lobbies a disponibilização de música online, inúmeros músicos (Bob Dylan, Yeah Yeah Yeahs) tiram partido da Internet para fazer com que sua música seja ouvida. Também os selos disponibilizam músicas gratuitas, principalmente os de rock e música eletrônica (Matador, Vagrant, Barsuk, Saddle Creek e Tigerbeat6). E algumas rádios públicas: música clássica (WNYC), eclética (WFMU e KCRW), e também a MTV".
Laptop D.J.'s Have a Feast - JON PARELES - Nytimes 10/09/2004

Segue a seleção dos sites que oferecem música grátis online:

domingo, setembro 05, 2004

Conversas online
- O dia na blogosfera

Estava hoje checando o bloglines, e percebi que o tema do meu post de ontem no Ecodigital Links -- blogs patrocinados -- ainda reverberava no ambiente. O moderador do evento (IMHO - Blogging, Politics & Personal Voice) citado pelo Rushkoff (Democracia Open Source) era o Jeff Jarvis, que respondeu em seu blog, mas o pau quebrou mesmo nos comentários. Para fechar o assunto, Rushkoff explicitou sua analogia entre as 'raves' e os 'blogs' para ilustrar porque o advento dos blogs patrocinados pode ser 'o fim de algo' (the end of something):

'A "ameaça" da cultura rave vinha de sua capacidade em formar uma economia alternativa. A galera não mais frequentava as boates pertencentes à máfia da noite, a polícia não estava levando a sua parte, e os distribuidores de bebida não viam mais o lucro. Boa parte da turma envolvida nas raves não se deram conta dos verdadeiros motivos desta cultura ser considerada ameaçadora.
Da mesma forma acredito que o maior poder do blog, além da capacidade de distribuir informação alternativa (certamente um grande poder) -- é a demonstração da viabilidade de um modo de engajamento que não está baseado no princípio do lucro.
'
Douglas Rushkoff - The real threat of blogs - outros bits no tema: (1), (2), (3)


A conversa deve continuar pois o assunto é quente, e apresenta inúmeros desenvolvimentos possíveis. Um deles envolve outra alteração na ecologia blog ocorrida esta semana: a demissão da codeira do Friendster, Joyce Park, que blogou sobre a substituição do Java pelo PHP no site. O assunto despertou paixões entre os desenvolvedores, mas promete arranhar a reputação do 'muy amigo' Friendster no mundo geek. Joyce não tem anúncios em seu blog. E se tivesse, teria blogado com o despojamento necessário para movimentar a discussão da forma como fez?

Implicações comerciais e religiões codeiras à parte, creio que este assunto irá desenvolver um pouco mais por aqui...

UPDATE (20/10/2004): Não pude deixar de acrescentar aqui um post do Doc Searls no BloggerCon, que coloca uma luz interessante na questão dos blogs patrocinados:

'. Você gostaria se, toda vez que você recebesse um telefonema, tivesse que ouvir também um anúncio?
. Você já se perguntou "Como posso fazer dinheiro com o meu telefone?", ou especulou sobre o modelo de negócio possível para seu aparelho?
. Como o seu blog pode aumentar suas oportunidades de ganhar dinheiro (fora do blog)? Isto já aconteceu? Como?
. Estas oportunidades não excedem seja lá o que você venha a receber com anúncios? Se não, porquê?

Como você pode ver, tenho uma posição aqui. Acredito que é muito mais importante (e interessante) criar oportunidades de ganho financeiro em função dos blogs, e não com eles, da mesma forma como ganhamos dinheiro porque temos telefone, e não "com" nossos telefones.
'
Doc Searls - Making Money session at BloggerCon