Na rede

sábado, dezembro 28, 2013

Aplicações de Cultura Participativa no CulturaDigital.BR


A plataforma CulturaDigital.BR, lançada em 2009 pelo Ministério da Cultura em parceria com a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), foi a primeira plataforma de rede social aberta lançada por um governo no mundo. Em sua proposta original, lançou o slogan “Um novo jeito de fazer política pública”. Implementada com funcionalidades típicas das redes sociais, como perfil integrado de usuário, grupos e fóruns, ofereceu também aos usuários a possibilidade de criação de blogs WordPress customizáveis. 

A proposta era basicamente inaugurar um novo modelo de diálogo do estado com a sociedade, explorando o uso de interfaces digitais e dos novos modos de interação em rede, os quais a população brasileira vinha experimentando intensamente desde a aparição do fenômeno ‘Orkut. O plano de realizar este exercício de diálogo aberto em 2009, à partir de uma iniciativa pública baseada em software livre, e orientada para a construção colaborativa de políticas públicas, foi menção honrosa do prêmio ‘Ars Electronica, o ‘Oscar da Internet’, em 2010.

Em sua história desde então, a plataforma CulturaDigital.Br foi suporte para dois memoráveis processos de consulta pública no Brasil, realizados pela primeira vez de forma aberta e participativa, e utilizando funcionalidades interativas da web 2.0: (1) O processo de construção do Marco Civil da Internet (2009-2012); e a (2) Consulta Pública da Lei de Direito Autoral (2010).

As consultas públicas no país, até aquele momento, funcionavam apenas como uma apresentação da proposta legislativa, e a participação era restrita ao envio de comentários e sugestões por emails, os quais não chegavam a ser conhecidos pelos participantes do processo. A falta de transparência resultava em desestímulo à participação, esvaziando assim o potencial deste importante canal de diálogo estado-sociedade.

Fiel a esta origem e trajetória, a plataforma CulturaDigital.BR segue inovando na disponibilização de ferramentas que exploram a cultura participativa ao fomentar a conversa em rede, a construção colaborativa de consensos, e a documentação de processos participativos online. Seguimos utilizando a tecnologia WordPress, que apresenta através da customização de ‘temas’ e ‘plugins’, a possibilidade de se criar plataformas de articulação em rede com base em instalações de blogs hospedados no CulturaDigital.BR.

Veja mais: http://culturadigital.br/plataformascolaborativas/

1) Consultas Públicas

A aplicação “Consultas Públicas”, formatada como um ‘tema’ para WordPress, oferece um conjunto de ferramentas para pesssoas ou instituições interessadas em operacionalizar uma consulta pública pela internet.

Suas funcionalidades incluem um 'tema' completo,capaz de publicar blog configurado para realizar consultas sobre um ou mais 'objetos'. Amplamente customizável, a aplicação é capaz de apresentar avaliações quantitativas e qualitativas da consulta em curso, com opções para o tratamento dos resultados.

2) Delibera - Democracia Online

A aplicação “Delibera”, apresentada como um 'plugin' (módulo) a ser adicionado a uma instalação WordPress, tem a capacidade de configurar uma plataforma virtual interativa. Facilita a construção de um conjunto de ambientes que poderão ser utilizados por gestores e servidores para proporcionar novas formas de participação a serem apropriadas pela cidadania.

A aplicação tem por objetivo promover a documentação e a contextualização de processos de debate e reflexão distribuídos em rede, facilitando o acesso do cidadão interessado às formas de incidir nas políticas públicas do governo brasileiro. As funcionalidades do Delibera abrangem uma variedade de recursos online, incluindo ferramentas de comunicação e interação, fóruns de debate, salas de bate papo, vídeos, mapas, mecanismos de consulta, dentre outros.

3) Cartografias Colaborativas

Em desenvolvimento. Saiba mais sobre 'Cartografias Colaborativas'.

quinta-feira, novembro 28, 2013

O desafio dos acervos digitais

Em abril deste ano (2013), uma grande novidade aconteceu no setor dos acervos digitais: foi lançada a Biblioteca Digital Pública Americana (Digital Public Library of America - DPLA). A iniciativa visa: "disponibilizar os acervos de bibliotecas de pesquisa, arquivos e museus da América de forma online e gratuita para todos os americanos — e consequentemente para todo o mundo".

A plataforma digital norte-americana vem se juntar a outras iniciativas semelhantes como a Biblioteca Europeana, que reúne acervos de bibliotecas, arquivos e museus dos países membros da União Européia em 27 línguas e os projetos no âmbito do Programa Discovery britânico. Estas exepriências foram apresentadas no “Seminário Internacional Sistemas de Informação e Acervos Digitais de Cultura”, realizado pela Secretaria de Políticas Culturais em março/2013 no auditório da Biblioteca Brasiliana-USP.

Os países mais avançados no setor estão neste momento definindo os padrões e protocolos que irão permitir a interoperabilidade entre os diversos repositórios digitais, e também fomentando a participação da sociedade na criação de novas modalidades de acesso e de usos inovadores sobre os objetos digitais disponibilizados. Temos acompanhado os últimos acontecimentos do setor, que destacam a importância da formulação de uma política nacional de acervos digitais, que tenha características de uma política de Estado, e possa garantir a perenidade de equipes e equipamentos.

O desenho dessa política deve contemplar o compartilhamento de recursos, especialmente os de infra-estrutura tecnológica (plataformas de disponibilização e armazenamento de dados), mas também os recursos humanos especializados, nas diversas etapas que envolvem digitalização, catalogação e disponibilização de conteúdos digitais. É importante lembrar que não bastará somente digitalizar os acervos -- o aporte constante de recursos é vital para a preservação dos conteúdos online.

Os principais parceiros nesta empreitada têm sido a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) e a Biblioteca Brasiliana-USP, com quem em 2010 realizamos o ‘Simpósio Internacional de Políticas Públicas para Acervos Digitais’. Nos anos 2011/12, os projetos do setor de cultura digital do MinC deixaram de contar com o apoio necessário para avançar de maneira significativa. Neste período, a articulação do setor progrediu com a criação da Rede Memorial -- a Rede nacional das instituições comprometidas com políticas de digitalização dos acervos memoriais do Brasil, criada à partir do esforço de aproximação das instituições memoriais em busca de soluções compartilhadas para problemas comuns.

A Rede Memorial nasce tendo por base uma carta de princípios para sustentar uma política de digitalização dos acervos memoriais e de procedimentos para a conformação de um espaço colaborativo de trabalho. A "Carta do Recife" estabelece 6 princípios fundamentais:
  1. Compromisso com acesso aberto (público e gratuito)
  2. Compromisso com o compartilhamento das informações e da tecnologia
  3. Compromisso com a acessibilidade
  4. Padrões de captura e de tratamento de imagens
  5. Padrões de metadados e de arquitetura da informação dos repositórios digitais
  6. Padrões e normas de preservação digital
No 2º semestre de 2012, à partir da cooperação internacional “Diálogos Setoriais Brasil-UE” e do processo de implementação do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais - SNIIC, retomamos a reflexão no sentido de desenvolver uma proposta abrangente para o setor de acervos. À partir da realização do Seminário Internacional em março deste ano, que contou também com a presença engajada de representantes do Arquivo Nacional (MJ) e do BNDES, temos como objetivo prioritário articular e promover a visão comum que pode resultar em um Programa Nacional sustentável para os acervos digitais brasileiros.

sexta-feira, junho 14, 2013

PRISM: Bem vindo ao Futuro! Como lidar?

"O futuro já chegou,
só não está igualmente distribuído"

William Gibson


Tinha que ser blogueiro, um norte-americano que mora na Gávea (RJ), para dar esse furo. As matérias do colega Glenn Greenwald no jornal inglês 'The Guardian', divulgando informações vazadas pelo 'herói / traidor / etc.' Edward Snowden, após a escapada deste para Hong Kong(!), caíram como uma bomba atômica na rede global. Glenn contou que a agência de segurança NSA teria obtido acesso aos servidores das grande empresas de internet para monitorar o comportamento de usuários do mundo inteiro nos serviços associados a essas empresas. O programa é conhecido como PRISM.

Diante deste fantástico enredo cibernético global, estaríamos nós em condições de despertar os internautas de sua inocência em relação à fundamental questão que é a privacidade dos dados pessoais na rede? Desde que se estabeleceu a onda das mídias sociais (2005/6, com o Orkut), e mais recentemente com a febre dos smartphones (à partir de 2010), os internautas vêm intensificando seus hábitos de despudoradamente compartilhar a qualquer momento, de qualquer lugar, e em diferentes graus de abertura, todo tipo de informação pessoal na Internet.

Entre os especialistas sempre aconteceu o debate sobre os riscos inerentes a tal procedimento, mas os alertas não chegaram a mobilizar os usuários de maneira significativa -- assim como a proposta do MJ de debate no tema, em 2010. Fato é que a cultura do compartilhamento de informações na rede está criando uma nova configuração de sociedade, trazendo inovações preciosas para a economia e a política. Mas é certo que estamos diante de questões sérias, que envolvem arquitetura e regulação, e que estão a exigir uma reflexão mais aprofundada.

As revelações de Snowden tornaram possível uma percepção coletiva global sobre os riscos, e uma descrição verossímil dos abusos que o governo norte-americano realiza através de sua agência de segurança, a NSA, com o auxílio das empresas globais de Internet sediadas em seu território. Nove empresas são citadas de maneira específica: Microsoft, Yahoo, Google, Facebook, PalTalk, AOL, Skype, YouTube, Apple.

As reações destas empresas ao escândalo têm sido de negar, de maneira uniforme, o acesso direto a seus servidores de dados. O Google tem sido enfático em demandar maior transparência do governo norte-americano sobre o processo de solicitação de dados de usuários. Os comentários de Obama sobre o vazamento, tranquilizando seus eleitores ("PRISM does not apply to US citizens" :-| ), não ajudaram muito no cenário global. Assim como não ajuda o fato das próprias empresas, por força de lei, serem proibidas de comentar publicamente os procedimentos.

Enquanto isso, o mundo reage: (1) parlamentares europeus de diferentes partidos demandam esclarecimentos em discursos furiosos; (2) nas vésperas de uma visita oficial de Obama, políticos alemães comparam a NSA ao antigo Stasi (Ministério da Segurança) da Alemanha Oriental; (3) governo da India deve exigir a instalação de servidores locais no caso de serviços como Google e Facebook; (4) a Suécia acaba de proibir o setor público de utilizar Google Apps; (5) o Japão se apressa em construir programa semelhante ao NSA/PRISM; e na China, (6) o governo se considera merecedor de uma explicação dos EUA, especialmente pelas anteriores acusações de ciberataques. Entretanto, os chineses agirão com cautela, ainda mais pelo fato de terem ficado com o informante como prêmio inesperado.

Diante do impacto, cabeças falantes da rede se manifestam propondo soluções e alternativas: (1) Kim Dotcom, o conhecido alemão/finlandês dono do Megaupload, sugere que a União Européia financie uma alternativa PRISME-free ao Google; 2) americanos liberais retomam à idéia de disponibilizar criptrografia avançada para o público; 3) o 'Action-Center' da 'Electronic Frontier Foundation' lança o 'prism-break.org', site que oferece alternativas livres para softwares e serviços proprietários comprometidos com o governo norte-americano; e, 'last but not least', 4) ingleses insultados propõem que governos olhem a crise como uma oportunidade, utilizando a invasão de privacidade como pretexto para proteger e incentivar suas pouco competitivas infraestruturas digitais locais.

Esta última receita é tentadora:
  1. Declare indignação com a intromissão indevida de PRISM na privacidade de seus cidadãos, configurando "quebra de confiança";
  2. Introduza uma legislação nacional proibindo temporariamente a atuação dos grandes serviços de internet dos EUA, anulando qualquer obrigação contida em acordos comerciais com base na "quebra de confiança";
  3. Forme um fundo de financiamento (Venture Capital) de 100 bilhões de euros (!!) como capital inicial para a construção de serviços equivalentes, desenvolvendo capacidade tecnológica própria, baseada em open source, e com foco no incentivo a start-ups;
  4. Fortaleça as leis de proteção de dados e altere as regras da propriedade corporativa garantindo assim que a infraestrutura crítica de computação e comunicação (em oposição a bens e serviços oferecidos no mercado) seja de propriedade de empresas sediadas localmente; e
  5. Uma vez que todos os serviços locais tenham crescido em escala suficiente para competir com os equivalentes americanos, podemos relaxar a proibição e as regras de transição, de forma que as indústrias locais possam então expandir para o exterior.
A execução de tal idéia não está em nosso horizonte próximo, mas cabe à nós realizar o exercício de refletir como uma política pública nacional poderia responder a esta abalo sísmico no ecossistema digital global. Afinal de contas, há muito pouca coisa que iremos realizar no futuro sem contar de alguma forma com esta infra-estrutura chamada Internet. E como diria William Gibson, citado no início do post, o futuro já está aí. É nosso desafio decifrar os sinais, e trabalhar em prol de um futuro onde liberdade e autonomia estejam melhor distribuídos entre todos os habitantes do planeta.

Em tempo: "Governo brasileiro se diz preocupado com monitoramento" e "Differing Views on Privacy Shape Europe's Response to U.S. Surveillance Program"

quarta-feira, março 27, 2013

Revolução na TI de governo: de TICs para Digital (não estamos NA web, somos DA web)


Após ter participado do processo do Diálogos Setoriais – cooperação internacional com a União Européia – e ter recepcionado os colegas do JISC (Londres) e do MIMAS (Manchester) para o Seminário Internacional Sistemas de Informação e Acervos Digitais de Cultura, foi inevitável a minha tendência em observar como os britânicos estão lidando com os desafios que o mundo digital apresenta para os projetos de governo que envolvem o uso de tecnologia.

No caso da digitalização dos acervos de bibliotecas, acervos e museus, que é sem dúvida um enorme desafio de tecnologia, mas que por outro lado envolve outros desafios, entre políticos e institucionais, os quais necessariamente devem ser 'iluminados' pela perspectiva digital, temos uma grande encrenca. Estou certo de que atualmente é IMPOSSÍVEL para qualquer área de TI de governo no Brasil, seja em ministérios e / ou unidades vinculadas, agências, ou mesmo empresas públicas de processamento de dados, encarar o desafio dos acervos digitais com a devida propriedade.

Projetos como o SNIIC e o registro unificado de obras, que surgem à partir da abordagem do 'Governo como Plataforma', com forte ênfase na dimensão dos Dados Abertos (#opendata) e dos Serviços Digitais públicos, enfrentam grande dificuldade de 'contratação' e implementação. O modelo de funcionamento proposto para as TICs no governo seguem baseadas no modelo de terceirização, e as equipes alocadas nestes setores são cada vez mais especializadas em processos licitatórios, e cada vez menos dedicadas à acompanhar a evolução furiosa dos desafios que o paradigma digital apresenta para a inovação tecnológica no estado.

Durante as visitas à Londres e Manchester no ano passado, e no Discovery Summit em fevereiro deste ano, assim como nas conversas que tivemos com os parceiros internacionais em São Paulo durante o Seminário na Brasiliana-USP semana passada, impressionou a disposição das iniciativas do governo inglês em se atualizar constantemente frente ao mundo digital. Especialmente agora, no cenário de cortes de recursos para os programas de governo em função da crise européia, o foco na racionalização de esforços atinge seu ponto máximo, e as iniciativas resultantes apresentam aspectos inovadores interessantes.

Não pude deixar de notar o post da semana passada do Mike Bracken, ex-Diretor de Desenvolvimento Digital do Guardian, e que se juntou ao governo britânico em 2011 para formar o GDS (Government Digital Service), tornando-se Diretor-Executivo do Serviço Digital de Governo. O GDS fica no Cabinet Office, algo assim como a Casa Civil no Brasil, posicionado no centro do governo com o objetivo de fazê-lo funcionar melhor. No blog do GDS (em WordPress :-), de onde Mike dispara suas reflexões e comandos (com um vídeo semanal no youtube), me chamou a atenção o anúncio sob o inspirado título: "Da web, não na web" ("Of the web, not on the web"):
"Hoje anunciamos algumas pequenas mas importantes mudanças na governança da TI. O detalhamento se encontra aqui, mas o resultado concreto é o seguinte: nós não teremos mais um Diretor-Geral de Informação (Chief Information Officer - CIO) para o governo como um todo, e também não teremos mais um Superintendente para Carreiras de TICs (Head of Profession for ICTs). Estamos migrando a responsabilidade por esses recursos para o Serviço Digital de Governo (Government Digital Service), e encerrando as atividades de algumas comissões inter-governamentais em diversos temas relativos à tecnologia, ao tempo em que iremos rever a atuação das demais instâncias relacionadas ao tema a fim de ter certeza de que os novos arranjos serão criados de forma tão eficiente quanto possível."
Buscando conhecer um pouco mais sobre os antecedentes desta mudança "de TICs para Digital", que considero extremamente bem sacada, encontrei um interessante relatório que parecer ter sido o grande impulso para a mudança anunciada. O relatório "TI e Governo - 'uma receita para o sobrefaturamento' - tempo para uma nova abordagem" ('Government and IT — “a recipe for rip-offs”: time for a new approach'), documento do Comitê Seleto de Administração Pública do Parlamento Britânico (House of Commons), avalia os relatos sobre o desempenho do serviço público, e reporta sobre o período 2010-2012. 
"A Tecnologia da Informação (TI) desempenha papel fundamental na prestação de serviços públicos. No entanto, apesar de algumas de iniciativas de sucesso, o registro geral do governo no desenvolvimento e implementação de novos sistemas de TI é terrível. A falta de habilidades específicas de TI no governo e o excesso de confiança no modelo de terceirização resultaram em um problema fundamental, que tem sido descrito como "uma receita para o sobrefaturamento". 
O modelo de aquisição externa de serviços de TI tem geralmente resultado em atraso nas entregas, na quebra dos orçamentos previstos, e no desenvolvimento de soluções que não atendem às expectativas. Em vista dos cortes necessários em resposta ao déficit fiscal, é ridículo que alguns departamentos gast3m uma média de £ 3.500 (R$ 10.600) em um PC desktop. Este Governo, como muitos antes dele, tem um ambicioso programa destinado a reformar o modelo de gestão de TI. Este relatório estabelece os elementos que o Governo deve contemplar para que estas reformas obtenham sucesso onde as tentativas anteriores fracassaram."

Movendo-se de TICs para Digital

Em relação aos resultados do relatório sobre a TI no governo britânico, é quase óbvia a correlação que identificamos com o cenário aqui no Brasil. No momento em que estamos concebendo serviços digitais públicos de grande envergadura, como é o caso do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC), do Registro Unificado de Obras Intelectuais, e também do arranjo complexo que envolve a digitalização e disponibilização de acervos culturais de diversas instituições públicas (bibliotecas, arquivos e museus), fica claro o absoluto despreparo do modelo de gestão TI do governo brasileiro para dar conta dos desafios deste tempo.

No presente contexto local, onde temos clareza sobre a demanda mas nenhuma perspectiva sobre como encaminhar as soluções, a decisão arrojada do governo britânico de mover-se de TICs para o Digital, para nós faz todo o sentido. O ponto central é: precisamos reunir novas capacidades, não necessariamente ligadas à tecnologia, e estabelecer como conceito aglutinador de todo o processo a prestação de serviços digitais aos cidadãos. Tais serviços exigirão o uso de infraestruturas compartilhadas entre os diversos setores de governo, e somente uma reflexão transversal sobre os desafios colocados pelo paradigma do ecossistema digital pode dar conta do serviço. O blog do GDS vai direto no ponto:
"À medida em que nos afastamos de uma abordagem de grandes aquisições no mercado de tecnologia, em direção ao modelo de delegação de responsabilidade (commissioning) e co-entrega de serviços públicos digitais (infraestrutura compartilhada), nosso perfil de capacidades precisa mudar técnica e culturalmente. Nos últimos meses, na GDS e em outros departamentos, estamos contratando e responsabilizando novos atores, com novos papéis, incluíndo novas capacidades:
  • cientistas de dados 
  • arquitetos da informação
  • arquitetos de aplicações e serviços
  • gerentes de produto
  • gerentes de serviços
  • engenheiros de software
  • designers de todos os tipos
  • especialistas na experiência do usuário
  • gerentes de entrega e teste"
O movimento é absolutamente pertinente com a reflexão provocada pelo advento da Coordenação-Geral de Cultura Digital do MinC (2009-2013), e pelos constrangimentos que o modelo de funcionamento da TI.gov.br apresenta para projetos nativos do meio digital. Mas para que a re-engenharia institucional proposta pelos britânicos dê certo, e para que as novas capacidades reunidas possam operar todo o seu potencial, as pessoas e organizações "devem estar impregnadas pela cultura e pelo ethos da geração web" -- a clara compreensão de que o que costumava ser difícil tornou-se mais fácil, e o que costumava ser caro tornou-se barato. Acima de tudo, é importante disseminar o entendimento de que "o principal desafio agora não está na dimensão da tecnologia da informação, e sim na concepção (desenho), desenvolvimento e implementação de excepcionais serviços digitais públicos centrados no usuário".

Vamos acompanhar de perto este movimento dos ingleses, pois entendemos que as diretrizes colocadas estão em absoluta sintonia com os avanços que julgamos necessários, neste exato momento, no cenário da TI governamental em nosso país. Não há tempo a perder.

sexta-feira, março 08, 2013

Sobre o ‘Seminário Internacional Sistemas de Informação e Acervos Digitais de Cultura’

À partir da oportunidade criada pelo projeto de cooperação internacional "Diálogos Setoriais UE-Brasil", temos realizado conversas importantes com iniciativas que (1) implementam sistemas públicos de informação em cultura, e (2) disponibilizam acesso a acervos digitais de bibliotecas, arquivos e museus. Na próxima semana, de 11 a 13 de março de 2013, no Auditório István Jancsó da Biblioteca Mindlin-USP (Brasiliana-USP), a Secretaria de Políticas Culturais do MinC realiza o Seminário Internacional Sistemas de Informação e Acervos Digitais de Cultura.

No momento em que, no âmbito da realização do Plano Nacional de Cultura, implementamos o SNIIC, Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais, é extremamente oportuno explorar as possibilidades que plataformas digitais públicas podem oferecer para o acesso qualificado às informações culturais. Ao abranger nesta reflexão a questão do acesso integrado aos acervos em processo de digitalização nas diversas instituições que integram o Sistema MinC, e neste caso falamos de Biblioteca Nacional, Cinemateca Brasileira, Funarte e Museus, entre outros, criamos a possibilidade de formular um plano nacional para acervos digitais. 

O tema é da maior importância para todos que se preocupam com a memória nacional (preservação), com o acesso à cultura em meio digital (democratização), e com a presença qualificada dos conteúdos do património cultural da língua portuguesa na rede mundial. Diagnósticos vários e recentes apontam o elevado grau de fragmentação dos repositórios digitais em universidades e em outras organizações que lidam com conhecimento em todo o mundo. Da mesma forma, no campo dos acervos culturais, as políticas públicas ainda não avançaram no sentido de prover a necessária articulação e sustentabilidade aos projetos de digitalização em curso.

O ambiente digital, em suas muitas virtudes, proporciona grande vantagem para a ação pactuada, colaborativa. Não por acaso, a Internet fundamenta todo o seu funcionamento em protocolos, que são em última instância acordos básicos de co-operação. Cabe à nós, sempre que possível, buscar o alinhamento de nossas políticas públicas digitais à esta lógica suprema da rede -- o acordo e a transparência, que geram a confiança (trust) entre os pares. Em nosso caso específico, o campo dos acervos digitais de cultura, teremos muitas vantagens se conseguirmos articular visão e estratégias comuns entre as diversas instituições mantenedoras de coleções culturais. Podemos até dizer que não há outra forma de promover um Programa Nacional sustentável para acervos digitais se não compartilharmos recursos, principalmente de infra-estrutura tecnológica, mas também de pessoal especializado nas diversas etapas que envolvem digitalização e disponibilização de conteúdos digitais. 

Em importante evento recente do setor (Discovery Summit 2013), reuniram-se em Londres representantes de todos os grandes projetos de bibliotecas digitais no mundo. O programa Discovery ('um ecossistema de metadados') representa uma sofisticada articulação técnico-institucional promovida pelo JISC, instituição responsável por infra-estrutura para ensino e pesquisa e para acervos digitais no Reino Unido. Representados no evento estavam projetos globais como a Biblioteca Europeana e a DPLA (Digital Public LIbrary of America), e também iniciativas de articulação como a OCLC (Online Computer Library Center), que apresentaram suas premissas técnicas e institucionais para avançar no desafio da interoperabilidade dos diversos repositórios. Ficou muito clara a necessidade de uma articulação global em torno de padrões abertos ('open data'), que no caso dos acervos são metadados abertos ('open metadata', linked open data), e soluções compartilhadas para instituições mantenedoras de acervos.

Para quem acompanha de perto estas discussões nos últimos anos, foi interessante perceber em Londres o deslocamento no discurso técnico ocorrido recentemente. Antes, estávamos todos em busca do protocolo único, da arquitetura de informação mais adequada, ou da plataforma que poderia idealmente agregar todos os conteúdos. Ao constatar-mos que os grandes projetos globais de bibliotecas digitais agora colocam a ênfase da interoperabilidade de acervos em tecnologias como 'open metadata' e 'linked open data', podemos identificar um processo positivo, virtuoso e significativo.

Para ilustrar, é como se movêssemos a autoridade do processo de qualificação dos metadados dos conteúdos diversos, do interior das instituições / empresas e seus sistemas, para o ambiente aberto da web, dessa forma facilitando a adaptação de diferentes modalidades de catalogação e modelos de metadados, assim como o desenvolvimento de diversos 'plugs' de software (APIs). O desafio agora seria estruturar as informações presentes neste "oceano web" definindo e delimitando representações de conhecimento (ontologias) que possam atuar de maneira a auxiliar no processo de transição da informação propriamente descrita em conhecimento a ser acessado. Especialistas confirmam que a tecnologia 'linked data' traz um cenário completamente novo para a interoperabilidade de repositórios com lógicas distintas de catalogação (ou 'descrição de recursos', me corrige um colega bibliotecário), como é o caso de bibliotecas, arquivos e museus.

Esta novidade no aspecto técnico é uma boa notícia para nós brasileiros envolvidos no desafio dos acervos digitais de cultura. Significa que a partir de agora podemos elaborar iniciativas transversais com maior clareza técnica, respeitando as especificidades dos diferentes domínios de catalogação, e promovendo a integração dos acervos com base em padrões que estão em processo de tornar-se consenso na comunidade internacional. É importante para o setor de acervos digitais, neste momento, identificar quais as demandas do novo cenário, que novos arranjos de governança se fazem necessários, e paralelamente, cabe a nós (.gov) agora dimensionar a concentração de recursos bastante para a primeira etapa de um Programa de fato estruturante para o setor.

O Seminário Internacional sobre Sistemas de Informação e Acervos Digitais de Cultura, fruto deste 'diálogo setorial' com a União Europeia, busca cumprir este papel de apresentação do que foi prospectado no âmbito da cooperação internacional. Ao reunir os especialistas do setor no país, tem como objetivo também promover a reflexão conjunta sobre os novos elementos técnicos inseridos no campo, e como tais elementos podem se tornar objeto de novas iniciativas de cooperação. Além disso, almeja refletir sobre arranjos institucionais adequados à necessária sustentabilidade que projetos de conteúdos digitais devem garantir, apresentando como referência a experiência do JISC no Reino Unido.

O evento conta também com uma apresentação do capítulo das 'Limitações e Exceções' da nova Lei de Direito Autoral, a ser realizada pelo Diretor de Direito Intelectual do MinC, Sr. Marcos Souza. Trata-se de questão fundamental, pois não adianta avançarmos no tema da digitalização de acervos sem contar com um marco regulatório adequado às demandas básicas do ambiente digital.

Pelo fato de depositarmos grande esperança nos bons resultados desta conversa especializada, contamos com a presença de todos os interessados, seja de maneira presencial no Auditório István Jancsó da Biblioteca Mindlin-USP, em São Paulo, ou remotamente através de streaming de vídeo. Esperamos que as informações e os debates trazidos pelo evento sirvam de impulso às articulações necessárias em torno de uma verdadeira política nacional para os acervos digitais.

quarta-feira, janeiro 30, 2013

Preservando Nosso Futuro: Estratégias Institucionais para o Conteúdo Digital

Acaba de ser lançado pelo JISC e IthakaS+R um relatório da maior importância para o planejamento sustentável de projetos de digitalização, organização e disponibilização de conteúdos digitais : "Preservando Nosso Futuro: Estratégias Institucionais para o Conteúdo Digital" ("Sustaining Our Digital Future: Institutional Strategies for Digital Content”).

O relatório, que fornece um olhar atento a três instituições (University College London - UCL, Imperial War Museums e National Library of Wales, no Reino Unido) confirma alguns dos diagnósticos que já apresentamos por aqui:
  • Constatação do elevado grau de fragmentação do ambiente digital em universidades e em outras organizações que lidam com conhecimento;
  • De como existem inúmeros exemplos de boas práticas dentro e fora das universidades, com as quais todos poderiam se beneficiar, mas que exigem um esforço de coordenação para poder entregar serviços na escala necessária para servir o país;
  • Evidências de como a questão da sustentabilidade dos projetos após seu desenvolvimento inicial não é considerada adequadamente nos níveis mais altos da administração;
  • Alerta para o grande risco que representam os projetos em curso, no que concerne à sustentabilidade e preservação do conteúdo digital produzido.
"É um alerta para todos nós", disse Andrew Green, presidente-executivo e bibliotecário na Biblioteca Nacional do País de Gales. "Trata-se de leitura essencial para qualquer um no negócio de acesso ao conteúdo digital."

O relatório apresenta recomendações eficazes, e inclui uma "Ferramenta de Verificação de Saúde  da Sustentabilidade para Projetos de Conteúdo Digital" (Sustainability Health Check Tool for Digital Content Projects), que ajuda as pessoas a discernir melhor sobre que ferramentas ou recursos específicos pode fazer uso para tornar seu projeto digital ainda mais bem sucedido.

Com financiamento da Aliança Estratégica de Conteúdo (Strategic Content Alliance - SCA) liderada pelo JISC no Reino Unido, da Rede de Informação do Patrimônio Canadense (Canadian Heritage Information Network), e do Fundo Nacional para as Humanidades (National Endowment for the Humanities) nos Estados Unidos, a Ithaka S+R vem realizando um programa de pesquisa há vários anos para lançar luz sobre os desafios comuns associados à manutenção de projetos digitais para além de sua implementação, e oferece orientações e ferramentas para ajudar os administradores, líderes de projeto, bibliotecários, e financiadores a garantir que os projetos continuem crescendo. Este relatório é o primeiro de uma série, e representa o estado da arte no tema.

Para mais informações, vale acompanhar o blog da Aliança Estratégica para Conteúdo (inglês).

Aproveito a oportunidade para compartilhar aqui relatório da visita que realizamos ao JISC em Londres em setembro passado, como parte do projeto de cooperação 'Diálogos Setoriais UE-Brasil' -- e que descrevi melhor no post anterior "Diálogos Setoriais com a UE – Sistemas de Informação e Acervos Digitais de Cultura":

sexta-feira, janeiro 11, 2013

The Economist e a ecologia digital: "Está tudo conectado"

Em matéria recente, a revista “The Economist” aborda as vitórias do ativismo político da rede em 2012, e busca refletir qual o significado mais amplo desta reconfiguração que as ferramentas de participação em rede tem causado no mundo da política:

Quando dezenas de países se recusaram a assinar um novo tratado global sobre governança da Internet no final de 2012, uma vasta gama de ativistas se alegrou. Eles enxergaram neste tratado, elaborado sob os auspícios da União Internacional de Telecomunicações (UIT), intenções em dar poderes perniciosos à governos para interferir no acesso e censurar a internet. Durante meses, grupos com nomes como “Acesso Agora” (Access Now) e “Luta pelo Futuro” (Fight for the Future) fizeram campanha contra o tratado. Seu lobby foi por vezes hiperbólico. Mas esta defesa bombástica também foi parte da razão pela qual o tratado foi rejeitado por muitos países, incluindo os Estados Unidos, e assim, invalidado.
O sucesso na conferência da UIT em Dubai encerrou um grande ano para os ativistas on-line. Em janeiro eles ajudaram a derrotar no Congresso dos EUA a legislação anti-pirataria patrocinada por Hollywood , mais conhecido pela sigla SOPA. Um mês depois, na Europa, eles se voltaram contra o ACTA, um tratado internacional obscuro que, na tentativa de fazer valer direitos de propriedade intelectual, presta pouca atenção à liberdade de expressão e à privacidade. O Brasil chegou mais perto do que muitos teriam acreditado possível em garantir uma inovadora carta de direitos da internet, o “Marco Civil da Internet”. No Paquistão os ativistas ajudaram a postergar, talvez permanentemente, os planos para um firewall nacional, e nas Filipinas fizeram campanha contra uma lei de cibercrimes, que a Suprema Corte veio a retirar de pauta.

Ambientalismo para a rede 

Para explicar este novo cenário, a matéria põe em foco a narrativa do Prof. James Boyle, especialista em direito autoral da Universidade de Duke, na Carolina do Norte. Boyle é conhecido como o ‘pai’ do ‘ambientalismo para a rede’, desde que em 1997 lançou o termo no texto ‘A Politics of Intellectual Property: Environmentalism For the Net?‘. Seriam os ativistas da rede os ‘Novos Verdes’?
O debate e a discordância sobre as questões levantadas pela disseminação da tecnologia da informação não são novas. Nos anos 1990 grupos de liberdades civis, incluindo o pioneiro Electronic Frontier Foundation (EFF), fizeram campanha contra o Communications Decency Act, parte do qual foi eventualmente derrubada pela Suprema Corte dos Estados Unidos. Hoje todos os cantos do universo digital tem o seu grupo de interesse próprio: grupos de consumidores defendem a privacidade online; hackers rejeitam patentes de software de longo alcance; pesquisadores empurram para o acesso aberto às revistas científicas on-line; defensores da chamada transparência forçam os governos a abrir seus cofres de dados — ou a ter a abertura em suas próprias mãos.
Como analogia, Boyle sugere que houve uma diversidade semelhante na gênese do movimento ambientalista, nos anos 60. Alguns procuravam limpar o rio Hudson, outros buscaram interromper o desmatamento na Tasmânia, ou proibir testes nucleares. Mas como o falecido ambientalista americano Barry Commoner colocou: “A primeira lei da ecologia é que tudo está ligado a tudo o resto”. Assim como foi para o meio ambiente, ficou para o ambientalismo. Ao longo dos anos 1960 e 1970, preocupações díspares foram agregadas em um único movimento, que por vezes apresentou consistência duvidosa, mas que de fato passou a exercer poder real.
A internet não é nada se não um exercício de interconexão. Sua política parece, assim, chamar para uma convergência semelhante, e as conexões entre os diferentes grupos de interesse que compõem o ativismo digital estão realmente ficando mais fortes. Para além das relações específicas, eles também compartilham o que Manuel Castells, sociólogo espanhol, chama de “cultura da internet”, um equivalente contemporâneo da contra-cultura da década de 1960 (onde a maior parte do movimento ambientalista cresceu). Seus membros acreditam no progresso tecnológico, no livre fluxo de informações, nas comunidades virtuais e no empreendedorismo. Eles se encontram em “desconferências” (unconferences, onde os participantes fazem a sua própria agenda) e “espaços hacker” (hackerspaces, originalmente espaços que oportunizam explorações compartilhadas com tecnologia eletrônica); seu fórum online preferido será tipicamente algo como um wiki, onde todos podem contribuir e ajudar a configurar o espaço.

A vantagem dos ‘Comuns’ digitais

A menção da matéria aos partidos piratas como fenômeno emergente na Europa, e também ao que poderíamos chamar de ‘braço armado’ radical do movimento — o coletivo Anonymous — ilustra um cenário de atuação significativa do ativismo digital, com admirável articulação internacional. A revista considera plausível que pessoas que passam grande parte de suas vidas conectadas à rede possam sentir uma ligação significativa com a infra-estrutura tecnológica e ideológica de que dependem.

Ao se referir ao reforço que o ativismo digital recebe da Academia, o artigo destaca a importância de pensadores como Lawrence Lessig  e Yochai Benkler . Em ‘Code and Other Laws of Cyberspace‘, Lessig argumenta que o código de computador é tão importante na regulação do comportamento como o código legal. Benkler,  no aclamado ‘The Wealth of Networks‘, exalta as virtudes da ‘commons-based peer production‘ (produção entre pares baseada no comum), exemplificada nas comunidades de desenvolvimento em software livre. Ambos apresentam argumentos razoáveis em prol das vantagens econômicas, políticas e sociais em se manter a rede aberta, e do cuidado especial necessário ao se adotar quaisquer medidas restritivas.
Como acontece nas questões ambientais, os problemas que preocupam a este novo movimento digital são os econômicos, e de certa forma, isto os torna mais semelhantes. Desde a publicação em 1968 do ensaio de Garrett Hardin, “Tragédia dos Comuns“, as questões ambientais têm cada vez mais sido enxergadas em termos de “externalidades negativas”. Hardin argumenta que as propriedades comuns seriam super-exploradas porque os benefícios seriam apropriados pelas pessoas que fazem a exploração, enquanto os custos caem em todos igualmente.
Em parte devido a essa lógica econômica, o princípio de fazer com que os poluidores paguem — ou internalizem as externalidades, na linguagem dos economistas — é fundamental para os regimes que estabelecem impostos de carbono e para as iniciativas de limitação de poluentes (cap-and-trade) promovidas por ambientalistas pragmáticos (ainda que fileiras mais radicais do movimento sejam veementes contra reduzir tudo a ​​custos e benefícios financeiros  calculáveis).
As políticas de rede também se ocupam bastante com as questões levantadas pelos Comuns (Commons). A internet — meio e motivo de muito deste ativismo — é um exemplo claro de um tal recurso na dimensão digital: qualquer pessoa pode acessá-la nas mesmas condições, e todo o tráfego pode, pelo menos teoricamente, ser tratado de forma igual (situação conhecida como “neutralidade da rede”, que constitui também um grande grito de guerra deste ativismo). Mas neste caso, as externalidades não captadas pelo mercado são mais positivas do que negativas. Na maioria das vezes, quanto maior o universo de pessoas a usar de forma compartilhada um bem comum digital na rede, mais todos se beneficiam.

Hackear a política? Ou criar um novo sistema operacional? 

Existem limites para a analogia entre o movimento ambientalista e o ativismo digital. Por um lado, as demandas pela proteção do meio ambiente envolvem controles a ser implementados por parte dos poderes estabelecidos, enquanto que a proteção ao ambiente digital almeja, em grande parte de seus embates críticos, evitar o controle em cenários ainda não devidamente apreciados e ordenados pelos marcos regulatórios existentes. Por outro lado, o universo de pessoas engajadas nas causas digitais apresenta tendências fortemente libertárias, e portanto é pouco provável que o movimento venha a clamar pela criação de um ‘Ministério da Rede’.

Ao buscar elementos de síntese para entender o ativismo digital em um sentido mais amplo, a revista ‘The Economist’ avalia que, ao fim e ao cabo, o movimento não almeja objetivos políticos específicos. Sua meta principal parece ser ‘hackear’ a política, buscando resultados concretos através de soluções inteligentes e facilmente escaláveis de mobilização, e contando com a dinâmica viral da rede como pressão externa ao jogo político clássico.
É possível que a influência duradoura do ativismo digital se dê no fornecimento de novas ferramentas e táticas para pessoas com outros objetivos políticos. Todos os movimentos de protesto e todas as novidades do cenário político hoje apresentam um rosto de mídia social. Do Tea Party ao movimento Occupy, passando pela Irmandade Muçulmana no Egito, todos buscam o efeito de multiplicação rápida que a internet pode adicionar ao seu ativismo e a seus levantes. Experimentos em “democracia delegativa” como o feedback líquido(*) podem reprogramar a maneira como se trabalha a política, bem como acelerar as coisas. Na Alemanha, outros partidos estão fazendo experiências com este tipo de sistema; algo semelhante dá suporte ao movimento populista italiano 
Quando perguntado sobre o porquê de sua organização não ter uma plataforma de pleno direito político, Marina Weisband, um dos líderes do Partido Pirata da Alemanha, certa vez respondeu: “Não temos um programa já pronto, mas sim todo um sistema operacional.” O verdadeiro potencial da política de internet, em outras palavras, é remodelar o que as pessoas podem fazer, ao invés de fazer campanha para benefícios particulares.

E no Brasil? 

Nesta interessante matéria sobre o ativismo digital global da revista ‘The Economist’, a única menção ao Brasil se dá pelo fato de termos chegado “.. mais perto do que muitos teriam acreditado possível em garantir uma inovadora carta de direitos da internet, o ‘Marco Civil da Internet‘”. De fato, por um momento pareceu vivermos no país uma improvável lua de mel entre o poder público e o ativismo digital, e os resultados deste processo supreenderam especialistas em todo o mundo.

 Cabe a nós, atores deste momento em suas várias dimensões, estarmos abertos à reflexão sobre o que foi realizado, identificando acertos e melhores práticas a serem replicadas. A plataforma CulturaDigital.br, que é um dos sub-produtos deste processo aberto de interlocução dos temas digitais, segue como instância de documentação e referência das iniciativas realizadas no setor desde 2009, e se apresenta como ferramenta permanente de diálogo e articulação para todos os interessados em acompanhar o tema.
(*) O Partido Pirata da Alemanha promove,  em uma plataforma on-line, uma conferência perpétua do partido conhecida como “Feedback Líquido” (Liquid Feedback – Interactive Democracy), projetado para dissolver a distinção entre democracia direta e representativa. Em vez de votar sobre uma questão diretamente ou eleger representantes, os membros do partido podem delegar os seus votos em determinados temas a outro membro em cuja opinião eles confiem — e reaver seus votos caso não concordem com as decisões do delegado. Os delegados podem, por sua vez, passar os votos que eles coletam a outro membro, formando assim longas e fluidas “cadeias de delegação”.