Na rede

sexta-feira, junho 14, 2013

PRISM: Bem vindo ao Futuro! Como lidar?

"O futuro já chegou,
só não está igualmente distribuído"

William Gibson


Tinha que ser blogueiro, um norte-americano que mora na Gávea (RJ), para dar esse furo. As matérias do colega Glenn Greenwald no jornal inglês 'The Guardian', divulgando informações vazadas pelo 'herói / traidor / etc.' Edward Snowden, após a escapada deste para Hong Kong(!), caíram como uma bomba atômica na rede global. Glenn contou que a agência de segurança NSA teria obtido acesso aos servidores das grande empresas de internet para monitorar o comportamento de usuários do mundo inteiro nos serviços associados a essas empresas. O programa é conhecido como PRISM.

Diante deste fantástico enredo cibernético global, estaríamos nós em condições de despertar os internautas de sua inocência em relação à fundamental questão que é a privacidade dos dados pessoais na rede? Desde que se estabeleceu a onda das mídias sociais (2005/6, com o Orkut), e mais recentemente com a febre dos smartphones (à partir de 2010), os internautas vêm intensificando seus hábitos de despudoradamente compartilhar a qualquer momento, de qualquer lugar, e em diferentes graus de abertura, todo tipo de informação pessoal na Internet.

Entre os especialistas sempre aconteceu o debate sobre os riscos inerentes a tal procedimento, mas os alertas não chegaram a mobilizar os usuários de maneira significativa -- assim como a proposta do MJ de debate no tema, em 2010. Fato é que a cultura do compartilhamento de informações na rede está criando uma nova configuração de sociedade, trazendo inovações preciosas para a economia e a política. Mas é certo que estamos diante de questões sérias, que envolvem arquitetura e regulação, e que estão a exigir uma reflexão mais aprofundada.

As revelações de Snowden tornaram possível uma percepção coletiva global sobre os riscos, e uma descrição verossímil dos abusos que o governo norte-americano realiza através de sua agência de segurança, a NSA, com o auxílio das empresas globais de Internet sediadas em seu território. Nove empresas são citadas de maneira específica: Microsoft, Yahoo, Google, Facebook, PalTalk, AOL, Skype, YouTube, Apple.

As reações destas empresas ao escândalo têm sido de negar, de maneira uniforme, o acesso direto a seus servidores de dados. O Google tem sido enfático em demandar maior transparência do governo norte-americano sobre o processo de solicitação de dados de usuários. Os comentários de Obama sobre o vazamento, tranquilizando seus eleitores ("PRISM does not apply to US citizens" :-| ), não ajudaram muito no cenário global. Assim como não ajuda o fato das próprias empresas, por força de lei, serem proibidas de comentar publicamente os procedimentos.

Enquanto isso, o mundo reage: (1) parlamentares europeus de diferentes partidos demandam esclarecimentos em discursos furiosos; (2) nas vésperas de uma visita oficial de Obama, políticos alemães comparam a NSA ao antigo Stasi (Ministério da Segurança) da Alemanha Oriental; (3) governo da India deve exigir a instalação de servidores locais no caso de serviços como Google e Facebook; (4) a Suécia acaba de proibir o setor público de utilizar Google Apps; (5) o Japão se apressa em construir programa semelhante ao NSA/PRISM; e na China, (6) o governo se considera merecedor de uma explicação dos EUA, especialmente pelas anteriores acusações de ciberataques. Entretanto, os chineses agirão com cautela, ainda mais pelo fato de terem ficado com o informante como prêmio inesperado.

Diante do impacto, cabeças falantes da rede se manifestam propondo soluções e alternativas: (1) Kim Dotcom, o conhecido alemão/finlandês dono do Megaupload, sugere que a União Européia financie uma alternativa PRISME-free ao Google; 2) americanos liberais retomam à idéia de disponibilizar criptrografia avançada para o público; 3) o 'Action-Center' da 'Electronic Frontier Foundation' lança o 'prism-break.org', site que oferece alternativas livres para softwares e serviços proprietários comprometidos com o governo norte-americano; e, 'last but not least', 4) ingleses insultados propõem que governos olhem a crise como uma oportunidade, utilizando a invasão de privacidade como pretexto para proteger e incentivar suas pouco competitivas infraestruturas digitais locais.

Esta última receita é tentadora:
  1. Declare indignação com a intromissão indevida de PRISM na privacidade de seus cidadãos, configurando "quebra de confiança";
  2. Introduza uma legislação nacional proibindo temporariamente a atuação dos grandes serviços de internet dos EUA, anulando qualquer obrigação contida em acordos comerciais com base na "quebra de confiança";
  3. Forme um fundo de financiamento (Venture Capital) de 100 bilhões de euros (!!) como capital inicial para a construção de serviços equivalentes, desenvolvendo capacidade tecnológica própria, baseada em open source, e com foco no incentivo a start-ups;
  4. Fortaleça as leis de proteção de dados e altere as regras da propriedade corporativa garantindo assim que a infraestrutura crítica de computação e comunicação (em oposição a bens e serviços oferecidos no mercado) seja de propriedade de empresas sediadas localmente; e
  5. Uma vez que todos os serviços locais tenham crescido em escala suficiente para competir com os equivalentes americanos, podemos relaxar a proibição e as regras de transição, de forma que as indústrias locais possam então expandir para o exterior.
A execução de tal idéia não está em nosso horizonte próximo, mas cabe à nós realizar o exercício de refletir como uma política pública nacional poderia responder a esta abalo sísmico no ecossistema digital global. Afinal de contas, há muito pouca coisa que iremos realizar no futuro sem contar de alguma forma com esta infra-estrutura chamada Internet. E como diria William Gibson, citado no início do post, o futuro já está aí. É nosso desafio decifrar os sinais, e trabalhar em prol de um futuro onde liberdade e autonomia estejam melhor distribuídos entre todos os habitantes do planeta.

Em tempo: "Governo brasileiro se diz preocupado com monitoramento" e "Differing Views on Privacy Shape Europe's Response to U.S. Surveillance Program"