Na rede

quinta-feira, dezembro 02, 2010

O governo como plataforma: dados e acervos abertos

Notas para uma política pública

Na sociedade em rede, os dados produzidos pelos cidadãos, ou em seu nome, são a força motriz da economia e da nação -- o governo tem a responsabilidade de tratar esta informação como precioso recurso nacional. Os cidadãos se conectam entre si pela rede hoje como nunca antes, e estão desenvolvendo as habilidades e o entusiasmo para resolver os problemas que os afetam localmente, assim como nacionalmente. No século 21, informações e serviços públicos podem estar disponíveis aos cidadãos onde e quando eles precisam. Mais do que nunca, os cidadãos estão desenvolvendo o poder de desencadear a inovação, que resultará em uma melhor abordagem para a governança. Neste modelo, o governo atua como organizador e facilitador, e não como o motor inicial da ação cívica.

Entendemos que a maneira correta de encaminhar uma estratégia moderna para a questão das aplicações e serviços públicos é através de uma plataforma aberta baseada no modelo 'open data', que promova a inovação dentro e fora do governo. O desafio é desenvolver um sistema em que todos os resultados e possibilidades não sejam especificados de antemão, mas que evoluam através de interações entre o governo e seus cidadãos, da mesma forma em que os prestadores de serviços na web promovem a participação ativa de sua comunidade de usuários.

O modelo de dados abertos e estruturados é a referência no desenvolvimento do projeto Data.gov, iniciativa do gênero desenvolvida pelo governo dos EUA. O projeto contempla um conjunto de requisitos que permite estabelecer uma rede de infra-estrutura de serviços web para disponibilizar conjuntos de dados como fluxos de XML (modelo open data). A idéia não é construir todos os sites e aplicativos que irão processar estes dados, e sim oferecer interfaces de programação para todos os interessados, permitindo que desenvolvedores independentes possam inventar novos usos para os dados públicos.

Dados abertos, acervos abertos

Governos produzem e guardam quantidades impressionantes de dados. Estamos falando do registro de toda a pesquisa que se realiza nos mais diversos órgãos e universidades públicas, assim como todos os acervos documentais e culturais, incluíndo o patrimônio histórico, museus e bibliotecas, acervos audiovisuais, do cinema, TVs públicas, todo o conteúdo da TV Escola e do Domínio Público. Todos estes dados em tese são abertos para uso público, mas o fato é que estes acervos, os que se encontram já digitalizados e disponibilizados, estão em formatos pouco amigáveis ou não estruturados para o acesso qualificado em aplicações inovadoras.

Ao refletir sobre esta abordagem no campo específico dos conteúdos digitais científicos, educacionais e culturais de caráter público, podemos afirmar que uma iniciativa no sentido de implementar padrões e processos de digitalização e disponibilização de acervos, tratando de coordenar padrões de metadados para a catalogação adequada, poderia alavancar um novo cenário para a circulação de conteúdos em língua portuguesa no meio digital. Uma tal modelo de plataforma, por assim dizer, propiciaria também uma melhor regulamentação de possíveis utilizações de conteúdos públicos por parte da iniciativa privada, e poderia estabelecer condições para novos arranjos econômicos com base em acesso remunerado aos conteúdos de sua propriedade dentro de um ecossistema organizado de acesso e distribuição.

Para alcançar este objetivo, é necessário organizar o setor dotando-o de um espaço de interlocução, regulação e organização capazes de facilitar os processos de digitalização em instituições públicas ou privadas, assim como determinar, dentro das condições e peculiaridades nacionais, quais os processos e padrões que melhor atendem às premissas de preservação e acesso aos acervos informacionais brasileiros.

segunda-feira, novembro 15, 2010

A Cultura Digital Brasileira na Conferência sobre o Commons em Berlim


David Bollier, especialista e autor de Viral Spiral, faz a palestra de abertura do evento

Através de alguns encontros oportunos em viagens ao exterior, onde temos a chance de divulgar o que está acontecendo no Brasil no âmbito do que chamamos Cultura Digital, fui convidado a participar na primeira Conferência Internacional sobre Commons (“I International Commons Conference“).

Realizada recentemente pela Fundação Heinrich Boll em Berlim, a Conferência reuniu por volta de 200 pesquisadores, ativistas e especialistas, e teve como objetivo principal evidenciar os pontos em comum entre movimentos aparentemente distintos como por exemplo, o software livre, e as organizações locais para governança de recursos fundamentais como a água, ou ainda as iniciativas para criação de bancos de sementes como alternativa ao uso de sementes genéticamente modificadas protegidas por copyright.

O plano era fomentar uma convergência entre os estudiosos dos diversos ‘commons’, e os ativistas que estão desenvolvendo os projetos na prática, criando assim as condições para o lançamento de uma “plataforma política baseada no ‘commons’”.

‘Commons’?

A Wikipedia traduz the commons como ‘bens comunais‘, ou ‘comunais’. Quando pensamos em estratégias para promover esta aproximação entre os diferentes grupos que valorizam os modelos de gerenciamento sobre propriedades coletivas, vale indagar se o termo ‘commons’, no momento em que é portado para outras línguas e culturas, se presta a esclarecer / comunicar os conceitos e valores embutidos.

O que pude perceber em Berlim é que existem diferenças consideráveis entre os que se reúnem para tratar deste tão específico tema. Os chamados ‘commons tradicionais’, que se interessam pelas modelos clássicos de governança sobre propriedade coletiva, e os vibrantes ‘commons digitais’, a turma que se converteu ao compartilhamento e ao trabalho coletivo em rede, constituem por si duas tribos já bem distintas.

Fato é que os ‘commons tradicionais’ apresentam interessante acúmulo no tema, focando nos modelos históricos de governança para gerenciar recursos compartilhados. O elemento confiança é destacado como fundamental para que os pares respeitem as normas estabelecidas, e a propriedade comum configura um fator de agregação social que irá facilitar a cooperação em outras áreas.

Entretanto, é preciso admitir que os ‘commons tradicionais’ foram sistemáticamente atacados durante todo o século passado pelas estratégias hegemônicas do mercado, que se valeram de parábolas como a Tragédia dos Comuns (‘Tragedy of the Commons‘) para naturalizar uma prevalência da propriedade privada como referência de eficácia gerencial. O prêmio nobel de economia para Elinor Ostrom em 2009, por seus estudos em governança econômica do commons, promete inaugurar uma nova fase para o conceito.

‘Commons Digitais’ na ofensiva

Michel Bawuens da P2P Foundation, em sua palestra na ICC em Berlim, afirmou que os ‘commons digitais’, por sua vez, estão na ofensiva. O sucesso do modelo de produção em software livre, que se tornou infra-estrutura fundamental da rede mundial de computadores, e também das corporações que apresentam melhor desempenho nos novos modelos de negócio da web, demonstra de maneira definitiva a eficácia destas novas formas de produção.

Neste cenário, os ‘commons digitais’ se mostram prontos para apresentar soluções inovadoras às questões colocadas pelas crises política e econômica globais. As licenças Creative Commons para expressão individual e compartilhamento, e a GPL (General Public License) como geradora de “commons”, são soluções bem acabadas e inovadoras para um novo momento econômico.

Com a queda nos custos de coordenação / comunicação, a hierarquia (instituições) deixa de ser necessária à coordenação de iniciativas coletivas. Dessa forma, dinâmicas locais podem se tornar globais. Quanto ao elemento confiança, fundamental para o funcionamento das dinâmicas commons, vem claramente se reconfigurando e mudando de foco especialmente entre os mais jovens: “confio mais em pessoas como eu, com quem eu posso me relacionar diretamente, do que em instituições opacas”.

Cultura Digital Brasileira

No Brasil, o uso intensivo das possibilidades de interatividade da Internet e dos ambientes de redes sociais tem gerado um público que se apropria muito rápido da cultura digital. Sempre gosto de destacar o fato de que no Brasil experimentamos o fenômento da rede social ubíqua (Orkut – 2005/6) bem antes do resto do mundo (Facebook – 2009/10).

Por outro lado, o Programa Cultura Viva do MinC, com a implementação dos Pontos de Cultura, tornou o Brasil o primeiro Estado a promover como política pública o exercício de uso efetivo e integrado das duas principais soluções inovadoras dos ‘commons digitais’: o software livre e as licenças alternativas como o Creative Commons.

A vitalidade dinâmica que emergiu do exercício digital dos Pontos de Cultura impactou o MinC de maneira irreversível, e em 2009 foi criada a Coordenação de Cultura Digital, que deu origem à rede social CulturaDigital.BR — plataforma para a construção colaborativa de políticas públicas e ambiente permanente do processo do Fórum da Cultura Digital Brasileira. Um novo jeito de fazer política pública.

A rede CulturaDigital.BR, além de servir de plataforma para publicação de conteúdos das iniciativas fomentadas, proveu tecnologia e hospedou processos de colaboração interativa como a elaboração do Marco Civil da Internet e a consulta pública sobre a revisão da Lei de Direito Autoral. A rede é também avatar político no Fórum Brasil Conectado, instância consultiva do Programa Nacional de Banda Larga. O projeto de uma rede social aberta lançada por um governo, único no mundo, ganhou menção honrosa no Prix Ars Electronica 2010.

Ao tentar explicar em Berlim, como e porque estas inovações estão acontecendo no Brasil, e mais especificamente no Ministério da Cultura, tive que fazer referência a Gilberto Gil e sua postura como ministro-hacker. Mencionei também a presença de elementos da Tropicália na narrativa que propõe o exercício da cultura digital. Enfim, disponibilizo o vídeo da apresentação na qual o desafio era falar de tudo isso em 5 minutos:


Nesta apresentação, a intenção foi mostrar como as iniciativas de aproximação de arte e tecnologia do MinC foram exitosas em promover a rápida apropriação de novos modos de fazer amparados no digital. Além disso, tentei demonstrar como estes novos modos de fazer impulsionaram a inovação na condução da política pública, agora realizada através de plataformas tecnológicas, ambientes digitais interativos.

Minha manifestação ao final do evento foi de que, para se criar uma plataforma política baseada no commons, seria importante criar o ambiente e a cultura de interatividade capaz de promover a desejada convergência. Trata-se da cultura de se utilizar efetivamente estas ferramentas. Me parece que é neste aspecto que os ‘commons digitais’ podem se colocar a serviço das outras modalidades commons, e do resto da sociedade. Este é um dos traços marcantes da inovação que a cultura digital brasileira representa no cenário global.

Veja também:

quinta-feira, outubro 14, 2010

Silke Helfrich apresenta a Conferência Interacional sobre o Commons: Em busca de um movimento mais amplo

À medida em que a população mundial passou a ter maior acesso à Internet, um número crescente de movimentos caracterizados pela lógica livre e aberta (free and open) emergiram – incluindo os movimentos de software livre e open source, cultura livre (free culture) , creative commons, o livre acesso (open access) e dados abertos (open data).

Na medida em que estes movimentos se tornaram mais amplamente conhecidos – e bem sucedidos – um contingente maior de interessados se dedicaram ao etendimento de seu significado mais amplo, e ao estabelecimento de elementos comuns entre as diferentes iniciativas. Hoje, muitos observadores consideram que tais movimentos compartilham objetivos e aspirações muito semelhantes, e que em seu conjunto representam um renascimento da noção de “commons”.

Há também um consenso emergente de que, ao contrário do que foi inicialmente assumido, este renascimento não se limita à Internet e aos fenômenos digitais, mas sua influência pode também ser observada na forma em que alguns produtos físicos são fabricados (por exemplo, o movimento do hardware open source) e nos modelos inovadores emergentes para o gerenciamento do mundo natural.

Por exemplo, alguns integrantes de movimentos que se auto denominam “commoners” (‘comuns’) afirma que, quando os agricultores de uma localidade se mobilizam para a criação de bancos de sementes, a fim de preservar a diversidade vegetal regional, e para evitar que grandes empresas de biotecnologia possam forçar o uso de sementes de culturas geneticamente modificadas protegidas por patente, os seus objetivos são essencialmente os mesmos que os dos desenvolvedores de software livre, quando stes lançam seus softwares sob a Licença Pública Geral (GPL). Ambos estão tentando evitar que bens que hoje se encontram na esfera dos bens comuns possam ser privatizados – geralmente por empresas multinacionais que na sua busca incansável de lucros consideram justificável a apropriação, para seus próprios fins, de recursos que por direito pertencem a todos.

Uma vez compreendido neste contexto mais amplo, os novos ‘comuns’ afirmam, torna-se evidente que os movimentos livres e abertos têm potencial para catalisar radicais mudanças sociais, culturais e políticas, mudanças que em função das falhas agora evidentes do capitalismo de Estado (demonstrado, por exemplo, pela crise financeira global) são urgentemente necessárias.

Um movimento mais amplo

A fim de facilitar esta mudança, no entanto, argumentam os novos ‘comuns’ que o conjunto dos movimentos livres e abertos devem ser considerados como componentes do movimento ‘commons’ maior. Além disso, é necessário abranger e articular com os outros grandes grupos políticos e da sociedade civil que têm se mobilizado para desafiar o domínio do que poderia ser vagamente chamado de ‘acordo pós-Guerra Fria’ – incluindo o ambientalismo, a política verde, e as muitas organizações e iniciativas que tentam abordar tanto as questões do mundo em desenvolvimento quanto as alterações climáticas.

Mas para criar esse movimento maior, diz a ativista Silke Helfrich, será necessário primeiramente convencer os defensores destes diferentes movimentos de que todos compartilham objetivos comuns. Como hoje se encontram fragmentados, seus objetivos comuns não são imediatamente óbvios, e por isso serão necessárias iniciativas específicas para tornar a identidade mais transparente. Este objetivo é importante, sublinha Helfrich, uma vez que somente através da cooperação estes diferentes movimentos podem ter a esperança de se tornarem politicamente eficazes.

É com este objetivo que Helfrich está organizando uma Conferência Internacional sobre o Commons, que reunirá mais de 170 praticantes e observadores do cenário ‘commons’, provenientes de 34 países diferentes. A ser realizada no início de novembro próximo, a conferência será organizada pela Fundação Heinrich Böll em Berlim.

O objetivo da conferência, diz Helfrich, é criar a centelha de “um avanço significativo no debate político internacional sobre o ‘commons’, e uma convergência entre os estudiosos dos diversos ‘commons’ e os ativistas desenvolvendo projetos na prática.” Helfrich espera que este evento conduzirá a um acordo sobre uma “plataforma política baseada no ‘commons’”.

Qual o objetivo último? Nada menos, ao que parece, do que a elaboração de uma nova ordem social e política. Ou seja, um mundo “além do mercado e do Estado” – onde as comunidades são capazes de retomar de volta o controle de suas vidas, das mãos de governos distantes e sem rosto, e das corporações desprovidas de compromisso social.

Como Helfrich coloca, “os ideais essenciais do capitalismo de Estado – o poder de coerção top-down do governo e a chamada ‘mão invisível’ do mercado – têm de ser substituídos pelos princípios de co-governança e de co-produção auto-organizada dos bens comuns por pessoas distribuídas em localidades ao redor do mundo.”

Boa qualificação

Silke Helfrich está bem qualificada para organizar uma tal conferência. Ela já realizou três conferências sobre o ‘commons’, e tem um profundo entendimento sobre política de desenvolvimento. Entre 1999 e 2007, foi responsável pelo escritório regional da Fundação Heinrich Böll para a América Central, México e Caribe – onde desenvolveu estudos sobre a globalização, questões de gênero e direitos humanos.

Desde seu retorno à Alemanha, em 2007, Silke desenvolveu uma reputação internacional de defesa do ‘commons’ em língua alemã através do CommonsBlog, e também coordena um forum de debates políticos interdisciplinares chamado “Time for the Commons” na Fundação Heinrich Böll.

Nos últimos anos Silke Helfrich publicou vários artigos e relatórios sobre os bens comuns para as organizações da sociedade civil e, recentemente, editou uma antologia de ensaios sobre o ‘commons’ chamada To Whom Does the World Belong? The Rediscovery of the Commons. (A quem pertence o mundo? A redescoberta do Commons) .

Silke Helfrich apresenta o contexto e os propósitos da Conferência Internacional sobre o Commons em mais detalhes na entrevista abaixo, concedida a Richard Poynder*.

Por que você se interessou pelo tema do commons?

SH: Eu nasci na Alemanha Oriental, e quando o muro caiu em 1989 eu tinha 22 anos e tinha acabado de terminar meus estudos. Então eu vivi por mais de oito anos em El Salvador e no México, sendo que ambos são países extremamente polarizados no que diz respeito à distribuição da riqueza.

Então eu experimentei dois tipos muito diferentes de sociedade: uma em que o Estado é o árbitro das condições sociais, ea maneira pela qual os cidadãos possam participar na sua sociedade e, depois de 1989, no qual o acesso ao dinheiro determina a capacidade de participar na sociedade.

Também tem sido sempre a minha convicção de que a democracia deve envolver muito mais do que simplesmente a realização de eleições livres para, em seguida, delegar toda a responsabilidade aos políticos profissionais. Precisamos democratizar radicalmente a esfera social, política e econômica – e precisamos de um novo marco institucional para o fazer que está hoje além do raio de ação tanto do mercado quanto do Estado. Isso, na minha opinião, é precisamente o que o conceito de ‘commons’ representa hoje.

Você pode expandir a sua definição de ‘commons’, e o potencial do conceito?

SH: O ‘commons’ não é uma coisa ou um recurso. Não é só a terra ou a água, uma floresta ou a atmosfera. Para mim, o ‘commons’ é antes de tudo constante inovação social. Implica em um processo de decisão auto-determinado — dentro de uma grande variedade de contextos, regras e definições legais — que permite a todos nós usar e reproduzir nossos recursos coletivos.

A abordagem ‘commons’ pressupõe que a forma correta de uso da água, das florestas, do conhecimento, do código, das sementes, das informações em geral e muito mais, é realizada ao se garantir que a minha utilização desses recursos não prejudique o uso que outros farão dos mesmos, ou coloque o risco de esgotamento destes recursos. A abordagem implica no uso justo de tudo o que não pertence a uma única pessoa.

Estamos falando do respeito ao princípio de correspondência “uma pessoa – uma parte”, especialmente quando nos referimos os bens comuns globais. Para conseguir isso, precisamos construir a confiança e fortalecer as relações sociais dentro das comunidades.

Nossa premissa é de que não somos simplesmente “homo economicus”, perseguindo apenas os nossos próprios interesses egoístas. A crença central subjacente ao movimento ‘Commons’ é: eu preciso dos outros e os outros precisam de mim.

Não me parece que existam outras alternativas para a crise que vivemos hoje.

CONVERGÊNCIA

RP: Não seria correto dizer que o commons engloba componentes de uma série de movimentos diferentes que têm surgido nos últimos anos, incluindo software livre e o open source ( FOSS ), Creative Commons , a política Verde , e todas as iniciativas voltadas para ajudar os países em desenvolvimento?

CS: Isso mesmo.

RP: Tem sido um processo natural de convergência?

SH: A partir da perspectiva do ‘commons’, trata-se de uma convergência natural, mas não é imediatamente óbvia a grande semelhança que os diferentes movimentos e suas preocupações básicas apresentam.

RP: O que você quer dizer com isso?

SH: Deixe-me dar um exemplo: Quando começamos a trabalhar com o conceito de ‘commons’ na América Latina há cerca de seis anos atrás, estávamos trabalhando principalmente com os movimentos sociais e ecológicos, que eram críticos do impacto causado pela globalização e pelo paradigma do livre comércio. Foi então que um colega sugeriu que deveríamos convidar pessoas do movimento de software livre para participar de nossas discussões.

Enquanto fazíamos o convite, nosso primeiro pensamento foi: O que o software proprietário apresenta em comum com os organismos geneticamente modificados (OGM)? Ou, para colocar de outra maneira, o que defende o movimento do software livre, e o que este movimento poderia eventualmente ter em comum com organizações que lutam por manter regiões livres de OGMs ? Da mesma forma, o que poderia ter em comum com a agricultura apoiada pelas comunidades locais (CSA), e com movimentos dedicada a defender o acesso à água e o controle social sobre os seus recursos biológicos?

Mas rapidamente percebemos que todos eles estão fazendo a mesma coisa: defender os bens comuns! Assim, desde então, tornaram-se comprometidos em promover a “convergência dos movimentos”.

RP: Para aqueles que têm acompanhado o desenvolvimento da Internet grande parte do debate sobre o commons surgiu a partir da maneira como as pessoas – especialmente as grandes empresas multinacionais – têm procurado fazer valer os direitos de propriedade intelectual no ambiente digital. Em paralelo, houve um grande debate sobre o impacto das patentes no mundo em desenvolvimento – as patentes sobre drogas que salvam vidas, por exemplo, e as patentes sobre produção de alimentos. Mas, visto de uma perspectiva histórica, esses debates estão longe de serem novos – eles têm se repetido ao longo da história, e o conceito de ‘commons’ remonta ao perído anterior aos famigerados ‘enclosures‘ que tiveram lugar na Inglaterra dos séculos 15 e 16.

CS: Isso mesmo. Então, de certa forma estamos a falar sobre o renascimento das comunidades.

E a razão por que os desenvolvedores de software livre estão engajados na mesma luta de outros setores, como por exemplo os pequenos agricultores, é simples: quando as pessoas defendem o uso livre de código digital, como o movimento do software livre faz, eles estão defendendo nosso direito de controlar as nossas ferramentas de comunicação . (Que é essencial quando você está falando sobre a democracia).

E quando as pessoas organizam bancos de sementes locais para preservar e compartilhar a enorme variedade de sementes na região, eles também estão simplesmente defendendo o seu direito a usar e reproduzir o ‘commons’.

Ao fazer isso, eu diria, eles estão fazendo uso de uma fonte de recursos riquíssima – porque um elemento fundamental do ‘commons’ é a abundância.

RP: Hoje em dia, geralmente são levados a pensar o mundo natural em termos de escassez e não de abundância.

CS: Bem, mesmo os recursos naturais não são escassos em si mesmos. Eles são finitos, mas isso não é a mesma coisa que escasso. O ponto é que se não formos capazes de utilizar os recursos naturais coletivos (os nossos recursos comuns) de forma sustentável, na sequência, eles se tornarão escassos. Nós os tornaremos escassos!

O bem comum (‘commons’), insisto, é acima de tudo uma fonte de recursos rica e diversificada que tem sido desenvolvida coletivamente. O importante é a comunidade, ou o controle da população sobre esta de recursos, ao invés de um controle emanado de uma hierarquia top-down. É neste modelo que reside o nosso futuro!

Foi este precisamente o significado do Prêmio Nobel de Economia concedido a Elinor Ostrom, em 2009. [Sobre a atribuição do prémio, a Academia Real Sueca de Ciências, comentou: "Elinor Ostrom desafiou a sabedoria convencional de que a propriedade comum é mal administrada e deve ser regulada por autoridades centrais ou privatizadas".

Da mesma forma, o Right Livelihood Award [o chamado Nobel Alternativo] também busca destacar esta nova visão sobre a economia e a sociedade.

EVIDENCIAR A SEMELHANÇA

RP: Ok, então nós estamos dizendo que vários movimentos diferentes surgiram com objetivos semelhantes, mas as semelhanças não são imediatamente óbvias?

SH: Correto. Por isso é importante evidenciar esta semelhança. O movimento global dos ‘commoners’, hoje, apresenta um bom crescimento e é constituído por grande diversidade, mas segue atuando de forma fragmentada.

Por exemplo, podemos observar uma série de movimentos transnacionais florescentes baseado no conceito de ‘commons’ (ex.: o software livre, a Wikipedia, o livre acesso a publicações acadêmicas, etc) – os quais em geral têm origem na dimensão cultural e digital, e todos eles são baseados na colaboração e no compartilhamento comunitário.

Entretanto, muitos outros projetos comuns são modestos em tamanho, de base local, e com foco nos recursos naturais. Existem milhares deles, e eles fornecem soluções que confirmam a afirmação originária dos grupos ETC de Pat Mooney: “a solução vem das pontas” [“the solution comes from the edges”].

Agora, esses diferentes grupos mal conhecem uns aos outros, mas o que todos eles apresentam em comum é que eles estão lutando para tomar o controle de suas próprias vidas.

Juntos todos esses movimentos são realmente parte de um grande movimento cívico que está prestes a descobrir sua própria identidade, assim como o movimento ambientalista o fez cerca de 30 ou 40 anos atrás. A cooperação é a melhor maneira de fazê-las crescer e tornar-se politicamente relevantes. Assim, o objetivo deve ser convencer os vários ativistas destes movimentos que todos têm muito a ganhar com o trabalho em conjunto, articulado, colaborativo.

RP: Você concorda que a Internet tem desempenhado um papel importante no surgimento destes movimentos?

SH: Concordo. A Internet tem sido fundamental no desenvolvimento de projetos globais comuns, como o software livre e a Wikipedia, e isso facilita muito o compartilhamento de idéias – que é fundamental para tornar qualquer movimento politicamente eficaz.

Assim, a Internet permite-nos cooperar além das fronteiras tradicionais, e nos permite tomar um dos recursos mais produtivos do nosso tempo – “a gestão do conhecimento e da informação” – em nossas próprias mãos.

Olhe para as campanhas da AVAAZ, por exemplo. O número de pessoas que eles são capazes de conectar e mobilizar é incrível. [Em três anos, a Avaaz cresceu para 5.500.000 membros distribuídos em todos os países, tornando-se o maior movimento web global da história].

Um problema, porém, é que muitas comunidades que são fortemente dependentes de tecnologias baseadas na Web não estão realmente em sintonia com o fato de que, quanto mais acesso temos a esses tipos de tecnologias, mais tendemos a abusar na utilização de nossa fonte comum de recursos naturais. Então eu acho que nós precisamos compreender que a “abertura” ['openness'] no mundo digital e a “sustentabilidade” no mundo natural devem ser tratadas em conjunto.

RP: Você pode desenvolver mais esta afirmação?

CS: Nós precisamos mais do que apenas o software livre e o hardware livre. Precisamos de software livre e hardware livre, projetado para nos tornar independentes da necessidade de adquirir um fluxo constante de aparelhos cada vez mais devorador de recursos.

Então, ao invés de sair a cada três anos para comprar um laptop novo repleto de software que requer o pagamento de taxas de licença para grandes corporações, que passam a ter controle sobre a nossa comunicação, devemos ter em vista possuir apenas um computador open-hardware / modular / reciclável que execute aplicações baseadas na comunidade de software livre e que possa durar toda uma vida.

Este é um grande desafio, e é um dos muitos desafios que vamos debater na Conferência Internacional sobre Commons. Uma das questões-chave aqui é esta: a idéia de abertura é realmente compatível com os limites de nossa fonte comum de recursos (naturais)?

OBJETIVO GERAL

RP: Qual é o objetivo geral da Conferência Internacional Commons?

SH: Para colocá-lo modestamente (sorriso), o objetivo é conseguir um avanço no debate político internacional sobre o ‘commons’, e uma convergência dos pesquisadores que estão estudando o commons e os ativistas que desenvolvem as ações no campo.

Acreditamos que a conferência vai promover o planejamento e o desenvolvimento de organizações e políticas baseadas no ‘commons’, bem como fomentar sua capacidade de articulação em rede. E esperamos que até o final da conferência um conjunto de princípios e metas de longo prazo tenha emergido.

Todo o esforço, [ou devo dizer aventura? (sorriso)] certamente irá contribuir para a formação do que o meu colega Michel Bauwens – co-organizador da conferência – chama de “A Grande Coalizão dos Comuns“.

RP: Eu notei que não há nenhum site dedicado, ou publicidade prévia para a conferência. E a participação ocorre apenas por convite. Assim é porque ainda não existe ainda um consenso totalmente sobre o commons e seu potencial?

CS: Não, nós temos uma explicação muito melhor: Não houve necessidade de publicidade prévia para a conferência. Pelo contrário, como eu freqüentemente me vejo tendo que explicar às pessoas, a resposta ao nosso primeiro “chamada para reservar a data” para a conferência foi tão esmagadoramente positiva que rapidamente percebemos que o evento estaria totalmente lotado, sem qualquer publicidade. E, na verdade estamos agora mais do que lotados.

A participação presencial na conferência é apenas por convite porque nós projetamos o programa de conferências para aqueles que já estão muito familiarizados com o tema, seja através da análise do ‘commons’, ou através da produção de ‘commons’. Dessa forma, todos os nossos participantes são especialistas. Na verdade cada um deles estaria qualificado para lidar com uma palestra para a conferência.

Em outras palavras, o que nós projetamos é uma conferência de rede para os ‘commoners’ de todo o mundo – e mais de 170 pessoas de 34 países se inscreveram. Trata-se de uma grande realização, que só tem sido limitado pela disponibilidade de espaço e de recursos.

Espero, contudo, que teremos um verdadeiro Fórum Mundial de Commons dentro de um ano ou dois (sorriso).

JANELA DE OPORTUNIDADE

RP: Você acha que a atual crise financeira mundial abriu uma janela de oportunidade para os ‘commoners’, como eles se referem a si mesmos?

SH: Eu acho que sim. A crise atual (que, aliás, não é apenas uma crise financeira, e sim um conjunto de múltiplas crises) graficamente demonstra que não podemos deixar as questões políticas somente nas mãos dos políticos, nem os problemas relacionados com dinheiro somente nas mãos dos banqueiros, ou as questões relativas os nossos bens comuns somente para o mercado ou o Estado. É tudo nosso!

A crise também mostrou claramente que o jogo acabou. O que é necessário agora não são simplesmente algumas regras novas que permitam uma nova rodada do mesmo velho jogo, mas um cenário totalmente novo, que estabeleça uma nova relação entre o ‘commons’, o Estado e o mercado.

RP: O que seria essa nova relação? O ‘commons’ (bem comum) entra em competição com o Estado e o mercado, ou você o vê trabalhando em articulação com estes dois atores fundamentais do poder?

CS: Para mim a frase “um bem comum para além do mercado e do Estado” não significa necessariamente um cenário sem mercado e sem Estado: o ‘Commons’ concebidos como um sistema complexo de recursos, comunidades e regras demanda estruturas de governança muito diferentes das que conhecemos hoje. Na verdade, algumas destas serão tão complexas que demandarão uma nova estrutura institucional de governo – o que se poderia chamar de um Estado parceiro.

Uma coisa, porém, é fundamental: as pessoas que dependem destes bens comuns para a sua subsistência e bem-estar tem que ter seus interesses representados majoritariamente em todas as decisões tomadas sobre os bens comuns.

Claramente, corporações, empresas e cooperativas sempre atuaram sobre esta fonte de recursos, o ‘commons’. E para tudo o que eles produzem, eles sempre terão os nosso recursos comuns como matéria-prima. Portanto, a pergunta que precisamos fazer é: o que esses atores retornam para o Commons? Não podemos permitir que apenas retirem recursos do ‘commons’. O princípio básico deveria ser: Quem utiliza recursos do ‘commons’, deve também acrescentar ao ‘commons’.

Em outras palavras, esses agentes externos não podem ser autorizados a fazer o que quiserem com recursos coletivos. Direitos de propriedade privada exclusivos não podem existir na dimensão do ‘commons’ – conforme descrito no Manifesto Commons publicado no site da Fundação Heinrich Böll.

RP: Não seria correto dizer que o Commons não é apenas um novo movimento político e social, mas uma nova estrutura intelectual para compreender o mundo e, talvez, um catalisador para uma nova ordem social pós-industrial?

CS: Nós não estamos necessariamente a falar de uma ordem pós-industrial, mas é minha convicção de que o paradigma do ‘commons’ tem de ser baseado na visão de um ordem pós-combustível fóssil.

Tampouco estamos tratando de uma ordem nova – como já mencionamos anteriormente. Eu diria que trata-se de um antigo modelo conceitual, o qual tem de ser constantemente re-apropriado de forma emergente, e “modernizado”.

Mas sim, trata-se de um quadro conceitual para a compreensão do mundo, que abre a nossa mente para a identificação de soluções criativas, práticas, coletivas e institucionais para os dois problemas mais urgentes, ao mesmo tempo. Ou seja, o desafio ambiental e os problemas sociais que enfrentamos hoje.

RP: Existe uma escola de pensamento que diz que o desafio ambiental pode ser resolvido pelo mercado.

SH: Sim, mas eu não concordo. Por exemplo, não podemos simplesmente resolver a crise ecológica através do aumento do preço da energia (ou seja, a introdução de um incentivo baseado no mercado, a fim de reduzir o consumo) – porque isso não é uma solução para os pobres.

Isso nos lembra que os elementos essenciais do capitalismo de Estado – o poder de coerção do governo, e a chamada “mão invisível” do mercado – têm de dar espaço aos princípios de co-gestão e de co-produção típicos do movimento ‘commons’, auto-organizados pelas pessoas distribuídas em localidades ao redor do mundo.

LEITURA

SILKE HELFRICH – ARTIGOS, ENTREVISTAS E REPORTAGENS

(*) Richard Poynder escreve sobre tecnologia da informação, telecomunicações e de propriedade intelectual. É especializado em serviços online, sistemas eletrônicos de informação, Internet, Acesso Livre, e-Ciência e e-pesquisa; cyberinfrastructure; gerenciamento de direitos digitais, Creative Commons, Open Source Software, Software Livre, copyright, patentes e informações sobre patentes. Richard tem contribuído para uma ampla gama de especialistas, publicações nacionais e internacionais, e foi editor e co-autor de dois livros: 'Hidden Value' e 'Caught in a Web', sobre Propriedade Intelectual no Ciberespaço. Ele também contribui para programas de rádio.

quarta-feira, setembro 01, 2010

Pew Internet (EUA): A terceira idade e as mídias sociais

Esta pesquisa da Pew Internet & American Life Project, sobre os usuários de internet nos Estados Unidos, aponta um crescimento meteórico no uso de mídias sociais pela terceira idade.

Embora o uso de mídia social tenha crescido dramaticamente em todos os grupos etários, no decorrer do último ano os usuários mais velhos têm se mostrado especialmente entusiasmados em abraçar as novas ferramentas da rede. O uso de redes sociais da Internet entre as idades acima de 50 quase dobrou, passando de 22% em abril de 2009 para 42% em maio de 2010.

  • Entre abril de 2009 e Maio de 2010, o uso de redes sociais por usuários de internet entre as idades de 50-64 cresceu 88% – de 25% para 47%.
  • Durante o mesmo período do uso, entre as idades de 65 e mais velhos cresceram 100% – de 13% para 26%.
  • Em comparação, o uso de redes sociais entre os usuários de idades 18-29 cresceu 13%-de 76% para 86%.

“Os jovens continuam a ser os maiores usuários dos meios de comunicação social, mas seu crescimento empalidece em comparação com os ganhos recentes feitas por usuários mais velhos”, explica Mary Madden, especialista de pesquisa sênior e autora do relatório. ”E-mail ainda é a principal maneira que os usuários mais velhos mantém contato com amigos, familiares e colegas, mas muitos idosos usuários agora contam com plataformas de rede social para ajudar a gerenciar suas comunicações diárias.”

Sobre a pesquisa

Este relatório é baseado nos resultados de um inquérito baseado em um acompanhamento diário dos norte-americanos e sua utilização da Internet. Os resultados apresentados neste relatório baseiam-se principalmente em dados de entrevistas telefônicas realizadas pela Princeton Survey Research Associates International entre 29 de abril e 30 de maio de 2010, entre uma amostra de 2.252 adultos, 18 anos de idade e mais velhos. As entrevistas foram conduzidas em Inglês. A combinação de linhas fixas e celulares com ligação aleatória dígitos (RDD) amostras foi usado para representar todos os adultos nos Estados Unidos continentais que têm acesso a qualquer linha fixa ou um telefone celular. Para resultados baseados na amostra total, pode-se dizer com 95% de confiança que o erro atribuído à amostragem e outros efeitos aleatórios é mais ou menos 2,4 pontos percentuais. Para resultados baseados utilizadores da Internet (n = 1.756), a margem de erro é de mais ou menos 2,7 pontos percentuais.Além do erro de amostragem, a redação das perguntas e as dificuldades práticas na condução de inquéritos telefónicos podem introduzir algum erro ou viés para os resultados das pesquisas de opinião. Para obter mais informações, consulte a secção de metodologia.

Acesse a pesquisa (em inglês):

Explore as Questões da Pesquisa (em inglês):

sexta-feira, agosto 13, 2010

Neutralidade da Rede: Google mostra suas verdadeiras cores? E você?


Os grupos que defendem os princípios abertos da Internet foram seriamente impactados nesta segunda-feira por um anúncio conjunto do Google e da Verizon, propondo um novo framework legislativo para implementação do tão mencionado (e pouco compreendido) conceito de 'neutralidade da rede'.

Antes de ir mais fundo no tema, vale dizer que a princípio básico original de 'neutralidade da rede' determina que provedores de acesso à Internet não podem exercer qualquer discriminação entre os diferentes tipos de dados que trafegam na rede aberta. No recente processo de construção colaborativa do Marco Civil da Internet no Brasil, a proposta final contempla em seu artigo art 2º, onde trata de fundamentos e princípios do uso da rede, o inciso 7º, que menciona a 'preservação e garantia da neutralidade da rede'.

Entretanto, é preciso um pouco mais de contexto para entender o significado mais amplo do anúncio Google Verizon. Há anos vem se desenrolando o debate nos EUA, no congresso e na FCC (Federal Communications Commision), em torno de uma possível regulamentação do princípio de 'neutralidade da rede'. No último ano, uma consulta pública com o objetivo de criar algum tipo de regulação neste sentido recebeu dezenas de milhares de comentários, e entre os especialistas não há consenso sobre o real valor da ingerência de governos no funcionamento da Internet. Mesmo entre os que concordam com o princípio original da neutralidade, existem aqueles que temem o 'efeito cavalo de tróia' decorrente de qualquer poder de interferência concedido.

É neste cenário que surge a proposta Google Verizon. Vale conhecer as 7 diretrizes anunciadas.

Por um lado, apresenta iniciativas que buscam uma regulação factível para a 'neutralidade da rede', confirmando a prerrogativa original do princípio (ao menos para as redes cabeadas), propondo ao FCC um modelo de análise caso-a-caso das transgressões que seja consistente com requisitos técnicos adotados por organização (standard setting) amplamente reconhecida pela comunidade da rede, e exigindo transparência por parte dos provedores em relação às características e capacidades dos serviços oferecidos aos usuários.

Até aí, tudo bem. O problema aparece com as demais diretrizes que, de um modo ou de outro, abrem brechas para que o princípio original de neutralidade seja 'contornado' em situações específicas. Aqueles que sempre acreditaram na política do 'we are not evil' do Google, e na sua força para garantir a rede aberta e neutra, talvez devam começar a se preocupar, e fazer algo.

Google surpreende, a rede reage

A reação da rede ao anúncio conjunto é bem representada pelo post de Jeff Jarvis ('Internet-Schminternet'), que sinaliza a possibilidade de surgimento de duas internets diferentes: uma internet 'normal', e outra caracterizada por serviços premium, a Shminternet (algo a ver com o Eric?), que poderão ser precificados no estilo típico das teles.

O post do Ryan Siegel na Wired ('Why google became a carrier humping net neutrality surrender-monkey') descreve bem a retirada estratégica do Google em seu plano de confrontar as teles em seu próprio mercado. A mudança de curso foi brusca e rápida: em janeiro deste ano o Google lançava o Nexus One, o primeiro smartphone desenhado especialmente para rodar o sistema operacional Android, e anunciava bombasticamente a sua venda direta pela web.

O plano óbvio do gigante das buscas era que as teles corressem para figurar no list-box ['escolha sua operadora'] do formulário web de compra do Gphone. Entretanto, 4 meses depois, apesar do Android seguir bombando mundo afora em equipamentos cada vez mais sofisticados lançados em campanhas milionárias bancadas pelas.. teles, a tão festejada e-loja que iria transformar o jeito de se adquirir um 'telefone' foi fechada. Enfim não se pode vencer todas, e na lógica do mercado, a barganha parece justa.

Mas o fato é que a empresa das letras coloridas, durante seus anos dourados, voluntariamente construiu para si mesma a imagem do paladino da rede, aquele que não iria transigir com qualquer ataque aos princípios de abertura e neutralidade da Internet, jamais. É fácil perceber que a reação da rede ao anúncio desta semana tem um ar de desencanto, como se o nosso herói preferido fosse flagrado em uma falta imperdoável. O post de David Weinberger ('Notes from a disappointed fan boy') é um ótimo retrato do sentimento de traição compartilhado por muitos: 'agora eu tenho que me preocupar com o fato do Google chegar em casa tão tarde, e com o perfume da Verizon em sua lapela'.

O novo discurso Googizon

Ao emitir esta semana um comunicado conjunto com a Verizon introduzindo o conceito de 'gerenciamento de rede razoável' (reasonable network management), o Google certamente supreendeu seus fãs mais leais. A EFF (Electronic Frontier Foundation), principal organização ativista pela liberdade da rede levanta a questão: tal gerenciamento 'razoável' por exemplo, permitiria o bloqueio de serviços como o BitTorrent? Boa pergunta..

Outra das 7 diretrizes apresentadas introduz o perturbador conceito de Serviços Online Adicionais (Additional Online Services), que 'deve ser distinto em escopo e objetivos do serviço de acesso à Internet, mas que poderia fazer uso ou acessar conteúdos, aplicações e serviços da rede, e implementar priorização de tráfego'(!). Dá para enxergar a tal Schminternet..

Mas a coisa pega mesmo na diretriz que propõe "isentar provedores de banda larga sem fio (wireless) de cumprir o princípio de não-discriminação", ou seja, as operadoras que oferecem acesso wireless não estarão obrigadas contemplar o princípio de neutralidade da rede. Desde o ano passado se especulava sobre a posição do Google nesta questão, e a declaração desta semana é uma guinada radical em relação a posicionamentos anteriores:

"Devido às características únicas, técnicas e operacionais das redes sem fio, e à natureza competitiva e ainda em desenvolvimento dos serviços wireless broadband, só o princípio da transparência se aplica neste momento."

Entretanto, em abril eles diziam:
"Não obstante todas as diferenças técnicas entre as redes fixa e móvel que podem justificar a aplicação de exceções razoáveis para o gerenciamento de rede, numa base caso-a-caso", o Google, então, insistiu, "os registros indicam que, na ausência de uma norma eficaz e exequível para proteger os consumidores e a concorrência, todos os provedores de bandalarga de última milha têm os mesmos incentivos à discriminação. "

Como bem assinalado por Matheus Lasar no Ars Technica ('A paper trail of betrayal: Google's net neutrality collapse'), entre abril e agosto, parece que muita coisa mudou para o Google. Parece agora fazer parte de outro clube. Em seu blog oficial demonstrou supresa frente à reação contrária da rede ao anúncio Googizon. Parece estar convencido de que 'garantir a implementação de proteções mínimas é melhor do que não garantir nenhuma proteção'. Justifica a iniciativa dizendo que a questão da 'neutralidade da rede' se tornou um tema intratável pela classe política.

Susan Crawford no GigaOm ('The FCC needs to do the hard thing, because its whats right') chama a atenção para a importância do papel do estado neste momento em que empresas demonstram a intenção de repartir entre si recursos estratégicos de interesse público como é o acesso à Internet. Como uma das principais especialistas no assunto, conclama as autoridades competentes à ação imediata para proteger os empresários, a inovação e os consumidores.

E você, o que tem a dizer?

No Brasil temos em curso o processo de construção do Programa Nacional de Banda Larga, que recentemente inaugurou o 'Forum Brasil Conectado'. A rede CulturaDigital.BR participa do processo de formulação participativa, e nesta sexta-feira (13/08) apresentou algumas observações para a sessão temática que irá tratar de 'neutralidade da rede' na próxima reunião do Fórum, nos dias 24, 25 e 26 de agosto em Brasília. Você também pode participar, inserindo comentários neste tema ou nos demais.

sexta-feira, agosto 06, 2010

Información Cívica: David Sasaki pesquisa o uso da tecnologia na sociedade


Alguns de vocês tiveram a oportunidade de conhecer o David Sasaki, que teve uma participação destacada em nosso 'Seminário Internacional' em novembro passado, e escreveu ótima resenha sobre o evento. David é na minha opinião um dos principais especialistas em cultura digital no mundo, e depois de 5 anos como um dos principais operadores do projeto Global Voices -- recentemente coordenando a iniciativa 'Rising Voices' --, parte para uma nova e interessante empreitada. Tão interessante que vale o registro e a referência por aqui.

David conta que em seu período no GV, "era constantemente surpreendido e frustrado com a pouca comunicação e colaboração existentes entre a nova geração de ativistas tech-savvy, e as organizações mais tradicionais da sociedade civil". Hoje ele está lançando, com o apoio do Open Society Institute, um projeto que tem o objetivo de ajudar a diminuir esta distância: Información Cívica.

http://informacioncivica.info

Nos próximos seis meses, David circulará pela América Latina documentando e avaliando o uso de tecnologia e mídia digital por ativistas da sociedade civil. A idéia é publicar pelo menos 25 estudos de caso em profundidade, que incluem entrevistas em vídeo com alguns dos principais grupos da sociedade civil da América Latina. Até agora, há dois vídeos que estão disponíveis em Inglês e Espanhol:


Além dos estudos de caso, o site seguirá publicando posts relacionados ao uso da tecnologia pela sociedade civil. Você perceberá que a princípio a maioria dos conteúdos está relacionada com o México, mas o conteúdo irá se diversificar na medida em que David seguir visitando outros países da região. (Um itinerário completo está na página Sobre).

O projeto 'Información Cívica' tem também uma página no Facebook, uma conta Delicious para compartilhar artigos interessantes, um calendário de eventos relacionados com a sociedade civil e tecnologia, um grupo LinkedIn para construir um diretório latino-americano de formadores em mídia digital, e uma conta de Twitter, porque ... afinal, todos tem uma conta no Twitter agora, certo? (Há também uma conta no Twitter em espanhol).

David manda avisar que o site ainda tem alguns bugs bem e precisa de algumas melhorias. Na próxima semana todo o conteúdo estará disponível em espanhol, além do Inglês, e haverá também um podcast de vídeo semanal apresentado no diretório de podcasts do iTunes. Por agora, David pede feedback sobre como o site e o projeto podem melhorar. Que tipo de conteúdo que você gostaria de ver em destaque? O que poderia tornar os estudos de caso mais uteis?

De minha parte estarei acompanhando mais esta empreitada do David Sasaki, grande figura. Acho que vcs deveriam fazer o mesmo.. :-)

terça-feira, julho 20, 2010

Rushkoff: "Programe, ou seja programado"

Na semana do FISL, achei legal preparar esta versão de trecho (5 min.) da fala do Douglas Rushkoff no SXSW, onde ele apresenta os 10 mandamentos para a era digital.

Programe ou seja programado! Gostei especialmente do trecho onde ele diz:

" e agora que temos o computador, você acha que seremos uma nação de 'codeiros'? NÃO! Somos uma nação de blogueiros!! "
Vale conferir:


domingo, junho 20, 2010

Gov 2.0 e FourSquare: o governo como plataforma


Tim O'Reilly é uma cara esperto. Considera-se empresário do ramo de 'transferência de conhecimento', mas é de fato um grande publisher de tecnologia, que também produz conferências técnicas de nível internacional. É atribuída a ele a origem do meme 'Web 2.0', que ele costuma traduzir como o cenário da 'internet como plataforma'.

Recentemente O'Reilly lançou um livro chamado 'Government as a Platform' [Governo como Plataforma], o qual está publicado na rede como texto em constante evolução - neste caso, o 'livro como plataforma' de colaboração.

O conceito de 'governo como plataforma' deriva das muitas lições aprendidas com o sucesso das plataformas digitais e especialmente da internet, e reafirma a importância dos padrões e protocolos abertos para potencializar a inovação e o crescimento distribuídos. A estratégia é focar no design da participação buscando soluções simples, mínimas, que possam evoluir com a colaboração direta dos interessados.


Fato é que há tempos ouvimos falar na sociedade da informação, mas parece que somente agora com a revolução dos smartphones começamos a vivenciar concretamente as possibilidades mais transformadoras desta admirável fusão dos ecossistemas analógico e digital. Estamos falando de novos modos e jeitos de viver o dia-a-dia plugado na rede através de dispositivos móveis, inaugurando práticas que se entranham em nossa rotina e criam novas 'culturas de uso'.

Recentemente me peguei enviando convites do FourSquare -- a rede social móvel baseada em geo-localização -- a amigos mais chegados. Creio que não fazia isto deste o tempo do lançamento do Orkut no Brasil, em 2004. Ao me dar conta do fato, e perguntar a mim mesmo o porquê do repentino entusiasmo spammer, indentifiquei a tendência digna de nota e destaque.

Com um aplicativo desses no smartphone é possível acessar (e fornecer) dicas sobre restaurantes, atrações locais, enfim, se informar em tempo real sobre o lugar onde você se encontra. Tudo isso com base na informação do dispositivo GPS. Para quem experimenta o aplicativo FourSquare em seu smartphone, e realiza a experiência de se relacionar com o local onde se está, munido de 'informação privilegiada', fica evidente a concretude de todo um universo de possibilidades inovadoras.

Mas o que tem o governo a ver o com aplicações como o FourSquare, e onde o GPS entra nisso?

O'Reilly recentemente em uma de suas palestras brincou dizendo que Ronald Reagan poderia ser o CEO do FourSquare. Isto porque foi ele quem, em 1983, se tornou o principal responsável pela liberação do uso civil do sistema de satélites GPS, que então constituíam propriedade privada da força aérea norte-americana.

Em nosso caso atual, não é a força aérea norte-americana que provê os dados de qual é o bom restaurante, ou a cerveja mais gelada da redondeza. É o FourSquare, iniciativa que ilustra o cenário de oportunidades para o setor privado desenvolver inovações sofisticadas sobre infraestrutura pública, criando novos serviços sobre recursos já desenvolvidos pelo governo. Este é o conceito do 'governo como plataforma'.

Temos exemplos de plataformas geradas pelo setor privado, com diferentes modelos de funcionamento. A Apple construiu o iPhone, que é também uma plataforma, e hoje existem mais de 50 mil aplicativos desenvolvidos, dos quais a empresa fez apenas 20. O Google, por seu lado, vem consistentemente demonstrando o mundo de possibilidades do processamento de grande volume de dados de usuários. O'Reilly dedica um capítulo inteiro de seu livro ao que ele chama de 'modelo de participação implícita'.

"Nós temos todos os dados que precisamos, gerado por exemplo pelas interações dos cidadãos com o sistema de saúde, que pode nos ajudar a compreender a melhor forma de alinhar custos e resultados. Para potencializar plenamente esse modelo é preciso ir além da transparência e, como o Google fez com o AdWords, começar a implementar 'feedback data-driven loops' [ciclos contínuos de apuração guiados por dados] diretamente no sistema. Existem ferramentas do Google para estimar a eficácia da publicidade de cada palavra-chave disponíveis para os anunciantes, mas isto não é o mais importante. A verdadeira magia é que o Google usa todo o seu conhecimento sobre os dados para beneficiar diretamente os usuários fornecendo melhores resultados de pesquisa e anúncios mais relevantes."
Lição 5: 'Data Mining' permite que você aproveite da participação Implícita


Exercitando o governo como plataforma na Cultura Digital


No evento que realizamos no mês passado, o 'Simpósio Internacional de Políticas Públicas para Acervos Digitais', um dos mais acalorados foi o debate sobre o 'Acordo Google Books'. Sobre o tema vale conferir as posições do Prof. José de Oliveira Ascensão (Univ. de Lisboa), de Jean Claude-Guédon (Univ. de Montreal), e de Alexandre Pesserl (UFSC), registradas por ocasião do evento. De certa forma, o 'Acordo' é um bom exemplo de plataforma de interesse público, mas que se tornou possível graças à agilidade do Google em realizá-la antes dos governos perceberem seu papel diferenciado no cenário da sociedade da informação do século 21.

Eu já havia postado sobre o Acordo Google Books anteriormente, sublinhando a importância da reavaliação em nossa lei de direito autoral. Hoje temos a satisfação de participar do esforço em conceber e implementar a plataforma colaborativa que gerencia o processo aberto de consulta pública sobre a proposta de reforma da lei, e de disponibilizar o que desenvolvemos para quem se interessar em evoluir /utilizar.

Observando de perto a evolução do ecossistema da rede global, e refletindo sobre as limitações que os modelos do século 20 apresentam para o enfrentamento dos desafios da sociedade da informação, não é tão difícil formular cenários onde o governo pode atuar como plataforma. Aqui no CulturaDigital.BR temos chamado estas implementações de 'plataformas que realizam políticas'. Faz sentido?

quinta-feira, junho 17, 2010

A economia do direito autoral e da digitalização

O Comité Consultivo Estratégico para a Política de Propriedade Intelectual (SABIP) encomendou este relatório [English], a fim de informar a sua agenda investigativa no tema. O relatório desenvolve uma visão crítica da literatura econômica teórica e empírica sobre direitos autorais e a cópia não autorizada. Com base nesta literatura, o presente relatório identifica também as questões mais marcantes para a política de direitos autorais no processo de digitalização, e formula questões investigativas específicas que precisam ser abordadas para bem informar a política de direitos autorais.

O trabalho teórico dos economistas sobre os direitos de autor criou um framework para se estudar seus efeitos para o bem estar social. A literatura identifica uma série de custos e benefícios associado com o copyright. A digitalização afeta o equilíbrio alcançado pelos regimes de direitos autorais hoje em vigor e a pesquisa empírica é necessária para captar as suas implicações na definição do nível desejável de proteção aos direitos autorais. Até agora, na melhor das hipóteses os estudos empíricos resultaram em respostas parciais, mas que podem fornecer modelos úteis para futuras pesquisas. O progresso parece possível agora, especialmente se melhores conjuntos de dados se tornam disponíveis.

O presente relatório [English] destaca duas questões que têm particular necessidade de melhores pesquisas a fim de informar a política de direitos autorais:

  1. Como é que a cópia digital afeta a oferta de obras protegidas?

  2. O sistema de copyright vigente é obstáculo a aspectos desejáveis da transição tecnológica?
Vale conferir:

The Economics of Copyright and Digitisation - A Report on the Literature and the Need for Further Research
Research commissioned by the Strategic Advisory Board for Intellectual Property Policy, and carried out by Christian Handke, Erasmus University, Rotterdam, Netherlands.

segunda-feira, maio 17, 2010

Facebook, privacidade, e o uso de redes públicas abertas no Brasil


A 'crise de relações públicas' que o Facebook enfrenta no momento é o assunto do dia no ambiente digital. Alguns movimentos na rede estão propondo o êxodo em massa dos usuários, ou a alternativa de utilizar soluções livres, em virtude de alterações automáticas e não autorizadas nas configurações de privacidade do mais utilizado serviço de rede social do planeta.

danah boyd postou na última sexta-feira uma 'descompostura' pública nos donos do serviço -- texto que já se tornou um clássico da rede [Facebook and "radical transparency" (a rant)] --, e colocou a questão de forma objetiva:

"A batalha em curso não é sobre o futuro da privacidade e da publicidade na rede. Trata-se de um debate sobre a livre escolha e o consentimento informado. Esta questão se torna evidente neste momento porque as pessoas estão sendo enganadas, traídas, coagidas e confundidas, sendo levadas a fazer coisas cujas consequências não estão claras. O Facebook segue dizendo que facilita a escolha do usuário, mas isto não é o que acontece. Os usuários têm a impressão de que estão escolhendo, mas os detalhes do que realmente acontece estão longe de seus olhos, 'para o seu próprio bem'."
De fato, o caso Facebook traz à tona uma conversa muito oportuna e que demonstra uma evolução, uma maior consciência dos netizens em relação às novas dimensões inauguradas pelo ambiente digital em rede. Neste caso, o que está em discussão é como configuramos a nossa presença neste novo mundo -- que informações queremos tornar públicas, a quem, e quando. Algo comparável com a roupa que escolhemos para vestir em cada situação do mundo analógico. A pergunta é: deve uma empresa ter a prerrogativa de formatar as nossas escolhas on-line?

No mesmo dia em que danah boyd descascava o Zuckerberg (dono do FB), o NYTimes publicava artigo chamando a atenção para a natureza aberta da própria web ('World's Largest Social Network: The Open Web'), em contraste com a experiência enclausurada que Facebook e outras redes sociais comerciais oferecem:
"Em seu site, o Facebook diz que sua missão é 'proporcionar às pessoas o poder de compartilhar e tornar o mundo mais aberto e conectado'. Mas o mundo on-line fora do Facebook é um lugar já muito aberto e conectado, muito obrigado. Páginas web, blogs, reportagens e twitadas são densamente interligadas e estão disponíveis para todos e qualquer um. Em vez de contribuir para este mundo inteconectado e aberto da web, a crescente popularidade do Facebook está drenando-a da atenção, da energia e dos posts que estão disponíveis à visita pública."
"O que gostaria de ressaltar é que, na perspectiva de quem acompanha de perto o cenário da cultura digital brasileira, este debate parece um dejavu. A minha tese é de que este momento que os usuários internacionais / norte-americanos agora vivenciam em relação ao Facebook, já foi experimentado por aqui ainda em 2006, quando o fenomeno orkut atingia no Brasil indicadores de uso absolutamente impressionantes.

Em janeiro de 2008 postei aqui no blog um manifesto que desafiava os orkuteiros brazucas a experimentar trocar as "facilidades (funcionalidades integradas da rede social) por autonomia inteligente" , e (re-)lançava a campanha "troque seu orkut por um blog", idealizada originalmente pelo colega Roberto Taddei.
"Acredito que a escala da experiência brasileira com o Orkut nos coloca à frente das tendências globais em termos de redes sociais. Explico: o que os norte-americanos experimentam como novidade hoje [jan/2008] com o Facebook -- a sensação de que 'todo mundo está lá' -- já acontece entre nós com o Orkut há pelo menos 2 anos. Ou seja, considero que estamos em melhores condições de enxergar como estes silos e 'jardins murados' (walled gardens) constituem uma enorme perda em termos de oportunidades na web, e assim optar pelas possibilidades que certamente irão explodir em 2008 (!)."
Em 2010, brasileiros seguem realizando experiências concretas de uso qualificado da rede, algumas delas acontecendo em plataformas públicas. A rede 'culturadigital.br' configura um exemplo em atividade, oferecendo blogs e espaços livres para debate e formulação colaborativa de políticas públicas para o setor. Entre outras iniciativas hospeda o debate público aberto que formula o 'Marco Civil da Internet' no Brasil, que está entre os mais avançados arranjos técno-políticos para se formular um conjunto de princípios e direitos para os cidadãos na rede -- e trata, entre diversos temas, de privacidade.


quarta-feira, maio 05, 2010

Copyright para a Criatividade [c4c] – Uma declaração para a Europa


"A capacidade da humanidade para gerar novas idéias e conhecimento é o seu maior trunfo. É a fonte da arte, da ciência, da inovação e do desenvolvimento econômico. "

Declaração de Adelphi


O desenvolvimento das novas tecnologias que sustentam a economia do conhecimento exige uma revisão do marco dos direitos autorais. Juntos, temos que criar maiores incentivos para maximizar a criatividade, inovação, educação e acesso à cultura, e garantir a competitividade da Europa.

Direitos exclusivos estimulam o investimento e a produção de bens com base na cultura e no conhecimento. Em paralelo, exceções* a estes direitos podem criar um sistema equilibrado, permitindo a utilização de obras criativas para promover a inovação, a criação, a concorrência e o interesse público. Exceções bem construídas podem servir a ambos os objetivos: preservar as recompensas e os incentivos para os criadores e ao mesmo tempo incentivar a inovação e promover usos que beneficiem o público.

Embora os direitos exclusivos tenham sido adaptados e harmonizados para enfrentar os desafios da economia do conhecimento, as excepções dos direitos de autor estão radicalmente fora de sintonia com as necessidades da moderna sociedade da informação. A falta de harmonização das exceções dificulta a circulação de bens e serviços baseados na cultura e no conhecimento em toda a Europa. A falta de flexibilidade no atual regime europeu de exceções também dificulta a adaptação da sociedade a um ambiente em constante mutação tecnológica.

A Europa exige um sistema equilibrado, flexível e harmonizado de exceções que esteja em sintonia com a economia do conhecimento do século 21. A Comissão Europeia deu o primeiro passo com a publicação do Livro Verde, "Copyright na Economia do Conhecimento". Os signatários desta declaração convocam a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e os Estados-membros a considerar esta Declaração e se envolverem efetivamente na definição de políticas e normas sobre as exceções dos direitos autorais:

  • Harmonizar as exceções em toda a Europa. O Copyright regula o fluxo tanto de bens de consumo, como bens de conhecimento no mercado interno. Para os cidadãos europeus e a indústria igualmente, a harmonização das exceções é um passo necessário, a fim de facilitar o comércio transfronteiras e criar a igualdade e clareza perante a lei.

  • Atuar como um incentivo à inovação. As novas tecnologias tornam possível ampliar o acesso dos usuários a vastas quantidades de conhecimento e conteúdo relevante. Exceções no direito autoral devem apoiar o desenvolvimento e a utilização destes serviços inovadores, melhorando o acesso de utilizadores europeus a todo este conteúdo.

  • Fomentar a criatividade do usuário e uma participação mais ampla. A Internet tem facilitado uma mudança sem precedentes para os cidadãos, sejam estes consumidores passivos de cultura "broadcast", ou criadores ativos e participantes. Os usuários estão cada vez mais envolvidos na criação de conteúdo e conhecimento. O direito de autor europeu tem de refletir esta nova interatividade que incentiva a criatividade, a diversidade cultural e a auto-expressão.

  • Garantir a acessibilidade por todos europeus. Exceções devem equilibrar a proteção dos direitos dos criadores com o interesse público e devem apoiar plenamente a melhoria do acesso ao conhecimento e conteúdo para as pessoas com deficiência - nomeadamente através da utilização das novas tecnologias.

  • Apoio ao Ensino e a Pesquisa. Tecnologias da informação e comunicação oferecem novas formas de colaboração para desenvolver e partilhar materiais educacionais e de pesquisa. Exceções ao direito autoral que facilitem a investigação baseados na nova tecnologia e educação vai impulsionar a ciência ea aprendizagem e, portanto, a economia do conhecimento, de forma exponencial para a frente.

  • Facilitar a preservação e o arquivamento. A digitalização dos conteúdos está oferecendo novas oportunidades não só para preservar, mas também alargar o acesso ao conhecimento científico da Europa e do patrimônio cultural, com benefícios de amplo alcance e de longo prazo para a sociedade como um todo. O marco dos direitos autorais deve apoiá-la.

  • Garantir que os direitos de monopólio sejam regulados no ambiente online. Limitações e exceções são necessárias para contrabalançar a falta de concorrência que é criada pela concessão de direitos de monopólio na lei de direitos autorais. A fim de proteger a criatividade e a inovação, devemos garantir que esses direitos de monopólio sejam regulados também no ambiente online.

  • Promover esses princípios em Fóruns Internacionais. Os princípios e objetivos que apoiamos não se aplica apenas aos europeus - deveria estar no centro das contribuições da UE nas discussões em foros multilaterais e bilaterais em que participa.

* A lei de copyright concede um direito exclusivo para os criadores de regular e controlar o uso de seu trabalho. Limitações e excções equilibram o direito do monopólio do criador com o interesse público. Por exemplo, para promover o ensino e a aprendizagem, apoiar uma uma imprensa livre, lidar com falhas do mercado, etc.

Link para o original: https://www.copyright4creativity.eu/bin/view/Main/Declaration
Tradução livre: google translate + josemurilo

sexta-feira, abril 09, 2010

[The Economist] Porque os ‘direitos de autor’ devem voltar à sua intenção original


Tradução livre do Editorial do
“The Economist”, em 08/04/2010:

Quando o Parlamento decidiu, em 1709, criar uma lei que protejesse os livros da pirataria, as editoras e livreiros com sede em Londres, que vinham clamando por proteção, ficaram extasiados. Quando a Rainha Anne deu seu parecer favorável em 10 de abril do ano seguinte — em data que completa 300 anos amanhã — ao que considerou “um ato para o encorajamento da aprendizagem”, eles já não pareciam tão entusiasmados. O Parlamento concedeu-lhes direitos de proteção, mas estabeleceu um limite de tempo para tal: 21 anos para os livros já impressos e 14 anos para as novas publicações, com um adicional de 14 anos caso o autor ainda estivesse vivo ao final do primeiro mandato. Depois do período de proteção, todo este conteúdo entraria em domínio público, estando liberado para que qualquer um possa reproduzi-lo. Os parlamentares fizeram valer sua intenção de equilibrar o incentivo à criação com o interesse que a sociedade tem no acesso livre ao conhecimento e a arte. O Estatuto de Anne, assim, ajudou a fomentar e canalizar a onda de criatividade que a sociedade iluminista e seus sucessores empreenderam deste então.

Nos últimos 50 anos, porém, o equilíbrio foi alterado. Em grande parte graças aos advogados e lobistas da indústria do entretenimento, o escopo e duração da proteção dos direitos autorais aumentou muito. Nos Estados Unidos, detentores de direitos autorais obtiveram proteção de 95 anos como resultado de uma prorrogação concedida em 1998, ato que foi ironizado pelos críticos como o “Mickey Mouse Protection Act”. Moções em curso estão apelando para uma proteção ainda maior, e tem havido esforços para introduzir termos semelhantes na Europa. Tais argumentos devem ser combatidos: é hora de fazer a balança voltar ao prumo.

“Annie get your gun“

A proteção prolongada, argumenta-se, aumenta o incentivo para criar. No caso, a tecnologia digital parece reforçar o argumento: ao tornar a cópia mais fácil, parece exigir uma maior proteção em troca. A idéia de estender direitos de autor também tem um apelo moral. A propriedade intelectual pode, por vezes, assemelhar-se em muito aspectos à propriedade de bens imóveis, especialmente quando ela é sua, e não de alguma corporação sem rosto. Como resultado as pessoas sentem que, uma vez que são donas da obra, especialmente se elas mesmo a produziram, eles devem possuí-la como propriedade, da mesma forma como poderiam transmitir aos seus descendentes uma casa que adquiriram em vida. De acordo com esta leitura, a proteção deve ser permanente, e tentar elevar ao máximo o limite do tempo de proteção aproximando-o da perpetuidade torna-se uma demanda razoável.

No entanto, a noção de que o alongamento do tempo de proteção promove maior criatividade dos autores é questionável. Autores e artistas em geral não consultam os livros de lei antes de decidir se querem ou não pegar em uma caneta ou pincel. E períodos excessivos de proteção dos direitos de autor em geral dificultam ao invés de incentivar a difusão, impacto e influência de uma obra. Pode ser muito difícil localizar os detentores do copyright para obter o direito de reutilização de materiais antigos. Como resultado, todo este conteúdo acaba em um limbo legal (e no caso de filmes e gravações de som antigos, tendem a extinção, pois realizar a cópia digital a fim de preservá-los também pode constituir um ato de infracção). As sanções, até mesmo por violações inadvertidas, são tão punitivas que os criadores têm incorporado a rotina de auto-censura ao seu trabalho. Por outro lado, o advento da tecnologia digital também não reforça a necessidade de prorrogação do período de proteção, uma vez que uma das motivações originais do marco regulatório dos direitos autorais está relacionada à cobertura parcial dos custos de criação e distribuição de obras em forma física. A tecnologia digital diminui drasticamente estes custos e, portanto, reduz o argumento para a proteção.

A argumentação moral, embora mais fácil de ser levada à sério, configura de fato uma tentativa de “fazer o bolo e também comê-lo”. O copyright foi originalmente a concessão de um monopólio temporário apoiado pelo governo sobre a cópia de um trabalho, não um direito de propriedade. De 1710 em diante, se constituiu em um acordo no qual o autor ou editor desiste de qualquer reivindicação natural e permanente, a fim de que o estado a proteger esta forma de direito artificial e limitado. É assim que este acordo está constituido, até hoje.

A questão é como esse acordo pode ser constituído de forma equilibrada. Neste momento, os termos do acordo favorecem demasiadamente os editores. Um retorno para os direitos autorais de 28 anos do Estatuto da Anne pode em muitos aspectos ser considerado arbitrário, mas não podemos dizer que não é razoável. Se há casos que justificam prazos mais longos de proteção, eles devem funcionar com base em um modelo de renovação dos direitos, de modo que o conteúdo não seja bloqueado automaticamente. O valor que a sociedade imputa à criatividade deve gerar cenários onde o ‘uso justo’ (limitações e exceções) seja ampliado, e a violação inadvertida de direitos de autor deve ser minimamente penalizada. Nada disso deve ficar no caminho da aplicação dos direitos de autor, que continua a ser uma ferramenta vital na promoção da aprendizagem. Mas ferramentas não são fins em si mesmos.

segunda-feira, abril 05, 2010

Doc Searls: Muito Além do iPad


Doc Searls, um dos especialistas da web que mais me impressionam, foi entrevistado sobre o lançamento do iPad pela BBC, e a matéria foi veiculada no dia em que todo o mundo da tecnologia estava mobilizado pela chegada do novo equipamento da Apple. Em seu blog Doc esquematizou suas impressões sobre o significado deste lançamento, no que me parece uma das melhores resenhas sobre o tema, certamente um dos mais resenhados dos últimos tempos.

Aí vai, com tradução livre (google/josemurilo), a perspectiva inicial de Doc Searls sobre o lançamento do iPad:

  1. OiPad vai chegar no mercado com uma vantagem de nenhum outro dispositivo de computação totalmente novo jamais teve: a capacidade de executar uma acervos de mais de 100.000 aplicativos já desenvolvidos, neste caso para o iPhone. Salvo a (remota) hipótese do iPad se mostrar na prática um limão azedo, isto por si só deve garantir o seu sucesso.
  2. O iPad vai lançar uma categoria na qual por algum tempo será o único jogador, mas os métodos de controle feudal da Apple sobre o mercado (todos os desenvolvedores e seus clientes estão presos em seu “jardim murado”) vai incentivar os concorrentes que não possuem as mesmas limitações. Devemos esperar que as outras empresas de hardware em breve lancem xPads para plataformas que rodam sistemas operacionais de código aberto, especialmente Android e Symbian. (disclaimer: Doc presta consultoria à Symbian). Estas plataformas podem estruturar mercados muito maiores do que as plataformas fechadas e privadas da Apple podem conseguir.
  3. As primeiras versões de projetos originais de hardware tendem a ser imperfeitos e obsoletos rapidamente. Tal foi o caso com os primeiros iPods e iPhones, e será certamente o caso com o primeiro iPas também. Os modelos que estão sendo introduzidos agora vão parecer antigos daqui a um ano.
  4. Aviso aos concorrentes: copiar a Apple é sempre uma má idéia. A empresa é um exemplo apenas de si mesmo. Há apenas um Steve Jobs, e ninguém mais pode fazer o que ele faz. Felizmente, ele só faz o que ele mesmo pode controlar. Portanto, o resto do mercado vai estar fora de seu controle, e vai ser muito maior do que cabe dentro do belo jardim da Apple.
Após o lançamento, Doc acrescentou alguns elementos novos em sua apreciação, vislumbrando o cenário que o iPad estimula.. para além do próprio iPad:
  1. O iPad apresenta ao mercado um formato totalmente novo que traz uma série de vantagens importantes em relação ao uso de smartphones, laptops e netbooks, a maior das quais é a seguinte: cabe em uma bolsa ou sacola de pequeno porte – onde funcionam de forma diferente em relação a qualquer um desses outros dispositivos. (Além de executar todos os aplicativos do iPhone.) É fácil de usar e sedutor – e seus usos não são subordinados, por forma, a computação ou à telefonia. Trata-se de um acessório que se encaixa em suas próprias intenções. Esta é uma vantagem que fica perdida no meio de toda esta conversa sobre como o iPad é pouco mais do que um sistema de visualização para “conteúdo”.
  2. Minha própria fantasia sobre tablets é a possibilidade de interatividade com o mundo cotidiano. Tome a comércio varejista, por exemplo. Digamos que você distribuir sua lista de compras, mas só para os varejistas de confiança, talvez através de uma quarta pessoa (que trabalha para gerenciar as suas intenções no mercado, ao invés das intenções dos vendedores – embora possa ajudá-lo a se envolver com eles). Você vai em “destino” e ele dá-lhe um mapa da loja, onde é possível visualizar os produtos que você quer é, o que está em estoque, e o que não está, e como conseguir o que não está, se é que eles estão em posição de ajudá-lo com isso. Você pode ligar ou desligar o anúncio de promoções, e você pode escolher, usando suas próprias condições de “Termos de Serviço”, quais os dados você deseja compartilhar com eles, quais não, e as condições para o uso destes dados. Então você pode ir ao WalMart, à loja de pneus, e à biblioteca da universidade e fazer o mesmo. Eu sei que é difícil imaginar um mundo no qual os clientes não têm de pertencer a programas de fidelidade e se submeter à coação dos opacos termos de uso de dados em uso hoje, mas isso vai acontecer, e tem uma chance muito maior de acontecer mais rápido se os clientes são independentes e desenvolvem suas próprias ferramentas de engajamento. Estas estão sendo construídas. Confira o que Phil Windley diz aqui sobre uma possível abordagem.
  3. A Apple explora a verticalização. Android, Symbian, Linux e outros sistemas operacionais abertos, com o hardware aberto que suportam, trabalham horizontalmente. Há um limite para o altura do muro que a Apple pode construir em seu jardim, independente de quão fantástico ele possa ser. Não há limite para o tamanho do mercado que pode ser explorado por todos nós (os outros). Para ajudar a imaginar isso, dê uma olhada no comentário do Dave Winer sobre o iPad: “O iPad como um recife de coral“.
  4. “O conteúdo não é o rei” (“Content is NOT king“), escreveu Andrew Oldyzko em 2001. E ele está certo. Naturalmente grandes editoras (New York Times, Wall Street Journal, New Yorker, a Condé Nast, o povo do livro) acham que sim. Suas fantasias imaginam o iPad como uma banca de jornal portátil (onde, como em bancas do mundo real, você tem que pagar pelas mercadorias). O mesmo vale para a TV e as pessoas de cinema, que vêem o iPad como um substituto para os seus velhos e bons (para eles) sistemas de distribuição de conteúdo (tudo pago). Sem dúvida, esses são negócios muito grandes. Mas a forma como nós vamos fazer uso dos iPads (e outros tablets) é um negócio muito maior. Você já pensou em como você vai blogar, ou seja lá o que vem por aí em termos de publicação pessoal, em um IPad? Ou em qualquer tablet? Será que tudo terá de ser feito através do navegador? Que tal usar um tablet como um dispositivo de produção, e não apenas um instrumento de consumo? Acho que a Apple não deu muita atenção a este aspecto, mas os outros, fora do jardim murado da Apple, certamente estarão atentos a esta demanda. E você deve também estar atento a isso, porque afinal, estamos em frente a uma encruzilhada aqui, uma bifurcação na estrada. Queremos que a Internet se torne radiodifusão 2.0 – dominada por um grupo de empresas de contúdos e seus distribuidores aliados? Ou queremos que a rede seja o grande mercado aberto que nasceu para ser em primeiro lugar, e que em útltima instância inaugurOU um cenário que é vedadeiramente bom para todo mundo? (É aqui que você deve parar e ler o que Cory Doctorow e Dave Winer têm a dizer sobre isso.)
  5. Nós estamos a ponto de testemunhar uma enorme pressão sobre todo o sistema de dados móveis, na medida que o iPad e outros tablets comecem a inundar o mundo. Também aqui é importante acompanhar se as empresas de telefonia móvel vão decidir dar suporte à grande maré crescente da Internet, sendo capaz de levar consigo todas as embarcações (grandes ou pequenas), ou se vão apenas gerenciar os tubos para seus parceiros de transmissão e produção de conteúdos seguirem explorando seus velhos modelos de negócio. (Ou pior, permanecer como empresas de telefonia à moda antiga, tratando e cobrando o tráfego e dados da mesma maneira terrível como tratam o tráfego de vez.) Há muito mais dinheiro para as telecoms na primeira opção do que nas outras, mas nestas os ganhos são mais fáceis e óbvios. Vai ser interessante observar onde tudo isso vai chegar.