Na rede

segunda-feira, maio 26, 2008

A Conexão Obama

Fui convidado para participar de um debate sobre Mídias Sociais e eleições - Uso das ferramentas de mídias sociais para mobilização, autopromoção e propaganda política.

Não sei ainda se poderei participar, mas estava refletindo sobre o tema hoje, e me deparei com um op-ed no NYTimes do Roger Cohen que me pareceu absolutamente pertinente. Estando em uma apresentação pouco interessante, e com um bom wi-fi disponível, achei que valia traduzir e registrar aqui a íntegra.


A Conexão Obama
Roger Cohen - NYTimes (26/05/2008)

É a rede, estúpido.

Mais do que qualquer outro fator, foi a sacação de Obama sobre o papel central das redes sociais na Internet que impulsionou sua campanha pela indicação do partido democrata a obter uma vantagem insuperável sobre Hillary Clinton. A campanha da senadora é totalmente século XX, enquanto que Obama funciona em acordo com as referências do século corrente.

Não é verdadeiramente uma surpresa. Obama passou apenas 10 anos de sua vida adulta no mundo partido da guerra fria, e o dobro disto na crescente inter-conectividade típica do mundo pós-muro de Berlim. Neste período, 'MAC' -- sigla para conectividade assegurada mutuamente ("mutually assured connectivity") -- tomou o lugar do 'MAD' -- destruição assegurada mutuamente ("muttually assured destruction") -- dos tempos da guerra fria.

Para Clinton, nascida em 1947, a equação é diferente. Seu paradigma mental é a divisão. Quando seu marido concorreu pela última vez para presidente em 1996, a Internet ainda era um fenômeno marginal. O pensamento e as pessoas daquela campanha provaram sua inaptidão em acompanhar o que aconteceu nos últimos 12 anos. Ficaram como que ofuscados pelas luzes de webcam do fenômeno Obama.

Esta falha cultural foi devastadora para Clinton. Como muito bem comentado por Joshua Green em um artigo importante no The Atlantic ("The Amazing Money Machine"), Obama utilizou as redes sociais e seu website amigável para desenvolver sua máquina de dinheiro e o engajamento dos jovens, aspectos fundamentais para a sua dianteira hoje.

Green observa que, "o registro de 1.276.000 doadores na campanha de Obama é tal que Clinton nem mesmo se preocupa em competir neste quesito". Ele fornece alguns outros números da campanha de Obama: 750.000 voluntários ativos e 8.000 grupos de afinidade. Em fevereiro, quando a campanha arrecadou 55 milhões de dólares (45 milhões via Internet), 94% das doações apresentaram valores menores que 200 dólares, um resultado também incomparável com as campanhas de Clinton e McCain.

Obama tem funcionado como um start-up clássico da Internet, um movimento que se espalha com intensidade viral e é impulsionado por algumas das mentes mais criativas do Vale do Silício. Tal como qualquer fenômeno online, ultrapassou as fronteiras nacionais, chamando atenção em Berlim tanto quanto nos EUA.

Tais condições não teriam sido realizadas sem uma percepção apurada do momento histórico, como a convicção de que a natureza do mundo pós-11 de setembro -- este que está além da 'guerra sem fim'-- será determinado pela sociabilidade e pela conectividade. No mundo globalizado do MySpace, LinkedIn e outros, a sociabilidade é tão importante quanto a soberania.

Tenho pesquisado, em vão, por esta percepção histórica na campanha de Clinton. Sua ameaça de 'aniquilar totalmente' o Irã, sua referência repugnante ao assassinato de Robert Kennedy em 1968 como um motivo para seguir na campanha, e suas invenções sobre o que aconteceu na Bósnia, tudo isto reflete a história como conteúdo a ser utilizado para fins políticos, e não como fonte de inspiração e reflexão.

Trata-se da história como referência pessoal: "Eu, eu, eu". Uma postura que pode ofuscar a percepção.

A cegueira mais séria da campanha de Clinton tem sido em relação às redes, nacionais e globais, e às conversas que vem gerando novas agregações e têm transformado a sociedade. Como diz David Singh Grewal em seu novo e excelente livro, "Network Power", uma tensão fundamental no mundo é que: "Tudo está sendo globalizado, menos a política".

Grewal diz ainda que "nós vivemos em um mundo no qual nossas relações de sociabilidade -- comércio, cultura, idéias, estilos -- são cada vez mais compartilhados, influenciados por conversas globais inovadoras que acontecem nestes domínios. Enquanto isso, a nossa política permanece inapelavelmente nacional, centrada nos estados-nações que constituem o locus do processo decisório soberano."

A administração Bush tem acentuado a percepção global deste descompasso. As pessoas conectadas mundo afora ficaram chocadas com algumas das políticas de Bush -- desde o ataque ao habeas corpus até as transferências de prisioneiros ('renditions') -- mas se viram impotentes em fazer algo à respeito.

O enorme interesse global no processo eleitoral norte americano está ligado em parte a uma crença de que o presidente dos EUA pode ser tão importante para a vida dos franceses, por exemplo, como o presidente da França.

A turma do Obama conhece bem tudo isso. A conectividade nos ensina que seguir sozinho é um erro: esta é uma lição básica aprendida no Iraque. Se Obama prometeu designar um coordenador geral de tecnologia com o objetivo de promover uma abertura no governo via web, e para desenvolver o diálogo ao invés de uma política centralizada, é porque ele sabe que precisa falar para o século 21.

Grewal diz que "a política é o único poder de contraposição efetivo disponível para redesenhar as estruturas que emergem através dos novos padrões de sociabilidade. O acúmulo de escolhas pessoais expressadas através das redes sociais desenham estes novos padrões de sociabilidade. Na falta de uma governança global, somente a soberania nacional pode canalizar estas tendências."

Clinton jamais enxergou estes aspectos. McCain, cuja arrecadação de recursos na web foi ridícula, também demonstra muito pouca compreensão do MAC.

Obviamente, conexão não é uma panacéia, e também não é uma garantia contra atentados violentos: afinal, a Al Qaeda utiliza a web de forma eficiente. Mas sem entender a conectividade e seus efeitos, hoje não é mais possível vencer o terrorismo ou ganhar uma eleição.

É a rede, estúpido, e as gerações que seguem com ela.


Tradução: José Murilo Junior

terça-feira, maio 20, 2008

Conferência de James Boyle, o pai da Ecologia Digital, no evento europeu do Google


James Boyle, o pai da Ecologia Digital, realizou uma conferência no EuroZeitgeist08 do Google, e foi brilhante como sempre. Entre o material distribuído para os participantes do evento -- gente de alto calibre entre empresários, acadêmicos, artistas e representates de governos (o ministro Gil lá estava) -- figurava o 'comic book' de sua autoria, 'Bound by Law?' (ao lado), que apresenta o tema da necessidade de revisão conceitual das leis de copyright na era da informação para novos públicos.

Em sua apresentação, Boyle falou basicamente de dois aspectos sutis que em geral não são percebidos quando tratamos da revisão dos marcos regulatórios ligados aos direitos autorais:

(1) Somos extremamente incompetentes em compreender 'openness' -- nem ao menos temos uma palavra específica em português, pois 'abertura' não traduz o sendido, talvez 'aberturidade' ; somos muito ruins em prever como irão funcionar e quais serão os resultados de sistemas abertos e distribuídos, particularmente as experiências online; e somos péssimos na compreensão das virtudes da criatividade distribuída, como no caso dos coletivos que trabalham em novos contextos de trabalho colaborativo conectado e não hierarquizados. Por outro lado, somos extremamente competentes em detectar os perigos criados pela abertura ('openness').

Boyle menciona a natural 'aversão à riscos' da humanidade e argumenta que, se durante o desenvolvimento da Internet estivéssemos avaliando, decidindo e regulando sobre como a rede deveria ser, para o nosso total prejuízo jamais teríamos o ambiente digital do qual desfrutamos hoje. Ele está certo.

"- então quer dizer que a lei de copyright não é somente uma forma de trancafiar os conteúdos?
- de forma alguma. o copyright também proteje os direitos dos usuários e futuros criadores. para
encorajar a criatividade, o marco legal do copyright deve atingir um equilíbrio delicado."


(2) Nos últimos 20 anos os seres humanos vêm se tornando objeto (e sujeito) das leis de copyright, de uma forma que nunca havia acontecido antes. As pessoas comuns, interagindo com conteúdos, nunca antes estiveram em posição de cometer atos pelos quais pudessem ser punidas pelas leis de copyright, da forma como empresas e piratas sempre estiveram. As diferenças de escala criavam distinções naturais entre personalidades físicas e jurídicas.

As leis de copyright sempre foram regulações intra-industriais, regulando horizontalmente as relações entre os proprietários de infra-estruturas de broadcast, impressoras de grande escala, e estúdios de cinema. Ou seja, redes de produção e distribuição altamente capitalizadas, cujos interesses precisaram ser acomodados e regulados. Também a proteção aos criadores e autores em sua relação com esta indústria, compôs o quadro para a construção do marco regulatório que temos hoje.

Nos dias de hoje, não passamos nenhum dia sem copiar e distribuir em escalas variáveis, ou seja, estamos sempre realizando todas estas coisas que as leis de copyright nos dizem que não podemos fazer. Temos que admitir qua a vida moderna seria impossível se estívessemos cumprindo todas estas leis à risca.


A combinação destes dois temas traz implicações para os debates que precisamos ter, em particular na questão de como devemos pensar sobre as novas perspectivas trazidas pelo mundo online, e como tudo isto transforma o ambiente para distribuição, criação e incentivo à cultura.

Boyle, no final de sua apresentação, alerta para o risco de retrocesso que corremos enquanto cultura em função de nossa aversão à abertura ('openness'), nossa agorafobia. Pelo fato de enxergarmos muito melhor os riscos do que as possibilidades, podemos chegar ao ponto em que estejamos limitados nas funções que podemos utilizar em nossos aparelhos de conexão à rede.

Vale à pena conferir a palestra...