Aqui vai mais uma tradução de artigo que considero importante para compor as informações que nos levarão a entender melhor a discussão que envolve a governança da Internet -- tema quente da recente Cúpula Mundial da Sociedade da Informação.
Chegou a haver algum barulho na rede sobre o fato da delegação brasileira estar aliando-se a interesses 'pouco democráticos' ao defender a descentralização da autoridade na rede conforme praticada hoje. Parece que a heresia causadora do ruído é o fato do Brasil ter ousado liderar um 'desafio o papel predominante exercido pelos Estados Unidos', o que poderia 'deformar a Internet'.
Sobre o tema podemos citar a avaliação de Gustavo Gindre, membro eleito do Comitê Gestor da Internet - CGIBr representando o terceiro setor, sobre a participação da delegação brasileira no evento:
"O Brasil teve atuação destacada nas negociações sobre a governança da Internet durante a CMSI. Liderou uma aliança com diversos países descontentes com a política norte-americana e ainda conseguiu anular a resistência de várias delegações (particularmente de governos totalitários) à participação da sociedade civil no Internet Governance Forum (IGF). Por fim, negociou uma aliança com a União Européia que terminou isolando os Estados Unidos."
Boletim Prometheus Especial - Tunis 2005, por Gustavo Gindre
Quanto ao risco de 'deformação' que a rede sofre hoje, me pareceu oportuno traduzir artigo do Dan Gillmor (referências? 01, 02, 03, 04) publicado recentemente no Financial Times, que ilustra o cenário atual de um dos fronts no qual os defensores da 'rede aberta' terão de batalhar para manter os princípios fundamentais da Internet. Penso que é especialmente importante para nós aqui no Brasil percebermos que o cenário descrito abaixo serve para ilustrar a movimentação das telecoms e de tellywood lá no norte, o que certamente é indicativo dos planos das corporações análogas por aqui.
De forma alguma indico que tenhamos que ver nos colegas norte-americanos a força precursora que busca 'deformar' a rede -- pelo contrário, sabemos que a turma lá está na ponta da inovação libertária que possibilitou tudo isso. Apenas demosntro que a postura brasileira no assunto é inteligente e sensível o bastante para considerar que, independentemente de qualquer bandeira, o que se defende é um modelo de governança (conforme o brasileiro) representativo para a rede, que além das representações de governos assegure também a participação da sociedade civil, do setor empresarial e da academia -- de todos os países. Esta é a rede da qual estamos falando.
Sobre o tema da Cúpula, também vale à pena ver:
- BoingBoing: Ricchard Stallman jamming with Gilberto Gil (também aqui)
- Coletânea de notícias sobre a Cúpula
- A Internet entra na agenda diplomática mundial
Dan Gillmor: Levantem-se contra a opressão dos EUA
Financial Times - 22/11/2005A 'Internet aberta' está sob ataque como nunca esteve antes, e os agressores são os suspeitos de sempre: governos e os gigantes das telecomunicações. Infelizmente a suspeita se aplica também aos Estados Unidos da America. Falando em 'Internet aberta' quero signigicar a rede onde usuários utilizam a banda de frequência da forma como bem entendem, e não como os oligopólios querem definir. É claro que o que os usuários desejam não é especialmente relevante
para os burocratas e executivos que estão trabalhando duro para recuperar o controle.Não é surpresa ver governos autoritários e opressores, especialmente aqueles que controlam as operações de telecomunicações, atuar de forma a suprimir a vitalidade e espontaneidade do livre fluxo viabilizado por esta nova mídia.
O controle político não é a única dimensão em jogo -- empresas gigantescas e interesses bilionários complementam o cenário.
Entretanto, é desalentador observar os EUA caminhando nesta direção. A nação que concebeu e difundiu a Internet está renunciando a alguns valores básicos de todo o processo.
Considere, em particular, a recente entrevista na revista Newsweek, onde Ed Whitacre, chefe-executivo da SBC Communications, deixou claro sua preferência pelos dias quando as companhias telefônicas americanas eram monopólios. (Agora que a SBC está comprando a AT&T e deve assumir o novo nome, festeja juntamente com outras telecoms aquisidoras o início do retorno daqueles dias felizes -- para os monopolistas!).
Na entrevista, Whitacre anuncia sua intenção de favorecer determinados serviços que transitam informação nos cabos providos por sua companhia. Em certa altura ele reclama do Skype, a companhia de voz-sobre-IP, dizendo: "Eles usam nossa rede de graça"; e indicou fortemente que pretende forçar o Skype (ou seus usuários) a pagar para usar 'sua' rede. A arrogância contida nesta declaração apenas ilustra o equívoco essencial que a fundamenta. O que é provido pelo empresas é banda: mover pacotes de informação de lá para cá. Não cabe a estas empresas, ou não deveria caber, decidir o que é enviado, e em que ordem.
Em função da lógica de Whitacre, que infelizmente é apoiada por nossas políticas públicas, a ele é permitido instalar 'quebra-molas', 'bloqueios' ou 'pedágios' no caminho de todos os provedores de conteúdo da rede.
A auto-imputação de autoridade do chefe-executivo da SBC sobre que tipo de informação pode passar por 'seus' cabos -- adquiridos inicialmente através de monopólios garantidos pelo governo -- tem um 'quê' de realidade, em parte por causa da atual política governamental. Reguladores federais, sem pensar nas implicações, estão incentivando os conglomerados das telecomunicações e da tv a cabo a pensar que não precisam compartilhar seus cabos com os competidores.
Tem havido também alguns murmúrios por parte de reguladores sobre requerer o que os partidários da competitividade denominam 'acesso aberto' (open access), que vem a ser a não discriminação sobre conteúdo que transita nos cabos da rede. Mas praticamente todas as regulações boicotam tal diretriz.
Em julho eu denunciei esta tendência nesta coluna, ao analisar uma decisão da Suprema Corte em um caso denominado 'BrandX' pelo fato do nome de um provedor de serviço a internet ter sido bloqueado por uma linha de companhia de cabo. Preocupou-me a decisão, que tornou-se aderente à lei vigente, como mais um passo no sentido de dar às telecoms controle absoluto sobre a informação que transita nos cabos que controla, além do serviço de provisão de acesso propriamente dito.
O congresso americando parece pronto para sacramentar o dano. A legislação que está sendo preparada para atualizar o marco legal de telecomunicações ameaça o princípio básico da Internet que valoriza 'as pontas da rede'. Segundo explica Vint Cerf, um dos 'founding fathers' da Internet, é este princípio que "permite que pessoas em todos os níveis da rede estejam livres para inovar, sem a possibilidade de um controle central".
Em carta remetida a um comitê do Congresso, Cerf (agora um contratado vip do Google) declarou que tal proposta de legislação, se entrar em vigor, "irá causar grande dano à Internet como a conhecemos". Conceber uma regulação que permita aos operadores da rede discriminar em favor de certos tipos de serviços, e potencialmente interferir com outros, irá colocar os provedores de banda no controle da atividade online.
Não é apenas o Google que está por trás destas manifestações. Também a Microsoft e outras empresas que não detém infra-estrutura de rede estão igualmente preocupadas.
Não deveríamos culpar Whitacre e seus colegas do mundo das telecoms, igulamente sedentos de poder, por buscar a retomada do poder que tinham e que a rede em tão pouco tempo desconstruiu. Está no DNA deles querer pautar quais serão as nossas escolhas, e quais inovações irão acontecer - e a que velocidade de implementação.
Mas o DNA da Internet é precisamente o oposto de tudo isso. A rede permite que as pessoas comuns, nas pontas da teia, produzam novas possibilidades e realizem as suas próprias escolhas. Este é o motivo pelo qual a rede têm crescido de forma tão poderosa, e razão também de ter se tornado este vibrante ecossistema que aos poucos vai se constituindo na plataforma para o futuro da comunicação humana. Ela é nossa, coletivamente, e não deles.