Acontecerá nos dias 11 e 12 próximos, no 'Centro para Internet e Sociedade' da faculdade de direito de Stanford (San Francisco - California), o simpósio 'Cultural Environmentalism at 10' que marca 10 anos de criação da metáfora 'Ambientalismo Cultural'. Não poderíamos deixar de destacar o evento, já que o blog Ecologia Digital e o site correlato nasceram de minha perplexidade frente à pertinência e propriedade da abordagem elaborada por James Boyle há uma década.
O próprio Boyle, acompanhado de ninguém menos que Lawrence Lessig, estarão comandando o simpósio e recebendo os conferencistas selecionados: Molly Van Houweling irá explorar a manipulação voluntária da propriedade intelectual (ex.: licenças creative commons) como ferramenta de ambientalismo cultural; Susan Crawford irá ampliar a perspectiva de Boyle focando as especificidades do universo das redes; Rebecca Tushnet comentará sobre como a tendência generalizadora das leis pode inviabilizar o 'ambientalismo cultural'; e Madhavi Sunder aborda como a metáfora interfere na questão do conhecimento tradicional (este é quente!).
Em recente artigo no Financial Times, onde agora é colunista de 'new economy'(!), James Boyle relata que em 1996 tentou publicar um texto sobre propriedade intelectual, costurando os temas 'internet', 'liberdade de expressão' e 'acesso à informação', e o editor achava que o tema central seria pornografia e censura. Não era. Boyle tratava de patentes de software e regras para o direito autoral no ambiente digital. Já naquela época preocupava-se com regulações que responsabilizavam os provedores por qualquer coisa que um usuário fizesse online, e com as persistentes extensões do período de cobertura dos direitos autorais que resultaram no confinamento de toda a cultura do século XX (mesmo os conteúdos não disponíveis comercialmente). Tudo isso acontecendo exatamente no momento em que poderíamos sonhar em tornar tudo isso facilmente acessível por todos.
Boyle percebeu claramente que, em 1996, o tema propriedade intelectual era árido o suficiente para só interessar a especialistas da indústria. Na prática, estavam sendo redigidas as regras básicas da 'era da informação', que iriam interferir dramaticamente na liberdade de expressão, na inovação, na ciência e na cultura do futuro próximo, e ninguém - exceto os players da indústria - estava prestando a devida atenção.
Foi aí que surgiu a analogia ao movimento ecológico que, de forma brilhante, tornou visível os efeitos de decisões sociais relativas ao meio ambiente, trazendo à luz do debate democrático um conjunto de assuntos que, até então, eram restritos a especialistas. Era urgente a formulação de um ambientalismo da mente, uma economia política para a era da informação - era necessária uma ecologia digital.
E tudo começa com o lançamento do livro "Shamans, Software and Spleens" (1996), enfocando uma decisão da Suprema Corte americana em 90 (Moore v. The Regents of the University of California) que regulamentou a possibilidade de se patentear DNA retirado do corpo de terceiros. Expandindo as idéias apresentadas na "Declaração de Bellagio" de 93, que contou com sua co-autoria, Boyle buscou construir uma teoria social da sociedade da informação.
De lá para cá, parece que a ecologia digital vem colecionando derrotas: os termos limite de copyright foram extendidos, alargaram-se os limites da lei de marcas, e a lei de patentes avança na cobertura de algoritmos e idéias básicas. Registre-se que em nenhum desses casos houve demonstração evidente de que a nova proteção seria necessária ou desejável.
Mas existem motivos para otimismo. A existência deste blog no Brasil pode ser um sinal, um reconhecimento de que estes são assuntos que merecem atenção e difusão pública, e sobre os quais cidadãos podem/devem debater. E já temos os nossos equivalentes do Greenpeace. Também a indústria, devagar, começa a compreender que seus interesses no assunto podem ser vistos sobre novas perspectivas. Boyle sugere as diferenças marcantes entre IBM e Microsoft, e entre a indústria de hardware e a da música como exemplos do novo quadro. Na medida em que a propriedade intelectual começa a interferir na vida de quem participa na criação da cultura digital, o cidadão comum começa a ter algo a dizer no assunto. Pode ser que no debate ainda não esteja equilibrado, mas pode-se dizer que hoje, trata-se de um debate - e não um monólogo da indústria do conteúdo.
Portanto temos o que comemorar, e vamos tentar acompanhar o simpósio para trazer as novidades pertinentes ao público da ecologia digital.
UPDATE 13/03/06 - Joe Gratz realizou ótimo liveblogging das conferências do evento, que linko abaixo: