Depois de desabafar a minha frustração pessoal em relação ao IGF no post anterior, fica mais fácil avaliar os aspectos gerais do evento de maneira mais objetiva. É fato que não pude acompanhar os conteúdos, pois estava concentrado em fazer o hack funcionar. Mas ainda assim foi possível captar a movimentação geral, já que fiquei 4 dias internado no Windsor Barra -- ao lado, foto do lobby do hotel durante uma madrugada de trabalho.
Um aspecto destacado por alguns blogs foi a marcante migração das ações relevantes do fórum para os eventos periféricos, como os workshops propostos por grupos organizados, as reuniões das coalizões dinâmicas, os fóruns de melhores práticas e outros. O resultado foi o esvaziamento das sessões principais, que disputavam a atenção dos participantes com até seis agendas simultâneas.
Pior ainda, não há nenhum espaço comum para o processamento das idéias e para a deliberação sobre o que acontece nas pontas do processo. De fato, em função da verdadeira competição por atenção criada pelo agendamento de inúmeros workshops simultâneos às sessões plenárias, a programação dos eventos paralelos atraiu muito mais gente no segundo e terceiro dias. O resultado é um ambiente de 'trade-show' ou de conferência acadêmica. Tal situação gera um sentimento de frustração que pode ser facilmente detectado em inúmeras das partes interessadas. É ótimo, como sugeriu Jeanette Hofmann na sessão final, que os workshops reflitam os interesses reais dos participantes. Mas estes temas fragmentados em processos de livre-associação necessitam algum tipo de integração.Observações semelhantes foram feitas por Everton Lucero, conselheiro do Itamaraty que foi a meu ver o brasileiro com atuação mais relevante em todo o evento, incluído aí todo o processo preparatório em Genebra e a fase de articulação da presença governamental. Desde as primeiras ações conjuntas, Everton esteve sensível às 'provocações' aportadas pelo MinC para que o IGF não fosse um Forum exclusivo para engenheiros, diplomatas e advogados, o que resultou na criação do blog MinC / MRE para o IGF.
The Rio IGF: The Center Does Not Hold? - IGP Blog
Sua percepção sobre as deficiências do processo, e a resiliência demonstrada ao colocar tais questões de forma clara, tanto no workshop que tratou do cumprimento do mandato do IGF definido em Tunis ('Fulfilling the mandate of IGF') como na plenária que avaliou o desempenho do IGF até agora ('Taking Stock and the Way Forward'), não passaram despercebidas pelos comentaristas atentos.
Um dos panelistas mais provocativos foi Everton Lucero, representante do governo brasileiro que apontou como um dos obstáculos [ao cumprimento do mandato do IGF] a falta de transparência do processo preparatório, o que contraria o parágrafo 33 da Agenda de Tunis. Como ele apontou, o Advisory Group (MAG) não possui procedimentos definidos, e atua com um grau de transparência muito limitado. Lucero também manifestou o sentimento de que o seu 'perspicaz relatório', onde recomendava reformas ao Advisory Group, foi solenemente ignorado. Ele também destacou a ironia na existência de um Fórum que se realiza sob os auspícios das Nações Unidas, mas que ainda assim não é contemplado com nenhum recurso de seu orçamento.
Day 4 of IGF Rio - IGFWatch news
Como bem assinalado pelo FF, uma das repercussões interessantes no ambiente do IGF-Rio foi o post do Joi Ito sobre sua saída do board da ICANN. Ao mesmo tempo em que saúda o trabalho realizado pela instituição e desfaz alguns dos mitos que levam muitos a considerá-la 'o lado escuro da força', assinala também a dificuldade da instituição em escutar os verdadeiros usuários nas pontas da rede.
O problema da ICANN não é de ser injusta, e sim a dificuldade e o tempo requerido para se tentar alcançar consenso nas questões difíceis. O outro problema é que a maioria das pessoas que são afetadas por suas decisões, os usuários em geral, não sabem ou se importam em saber sobre a ICANN e seu papel. Descobrir a melhor forma de captar os inputs destes usuários tem sido um questão recorrente, mas isto não é um problema da ICANN unicamente. Toda a política e o universo da ação coletiva compartilham esta dificuldade de fazer com que o público se importe com o debate sobre os temas que o afetam diretamente.Minha tendência é concordar com o Joi Ito duplamente. Sempre achei um exagero esta ênfase total na internacionalização da ICANN como a grande questão da governança da rede. O fato é que uma das principais reivindicações do IGF-Atenas -- domínios top-level funcionando em códigos de caracteres internacionais além do hoje mandatário alfabeto romano -- parece estar recebendo tratamento diferenciado por parte da ICANN. Pode até parecer um detalhe, mas trata-se neste momento da iniciativa mais relevante no sentido de proteger a internet dos riscos de fragmentação.
Three Years with ICANN - Joi Ito
Se a ICANN estiver em condições de dar suporte a domínios top-level em chinês, arábico, persa e outras línguas, isto pode significar um passo fundamental no sentido de aplainar arestas, com alcance suficiente para prevenir um quadro de ruptura dramática onde não poderíamos mais estar falando de "a Internet".... seria um mundo onde a competição entre nameservers de diferentes nações nos deixaria falando sobre diversas "Internets".Enfim, fico com a impressão de que o rescaldo sobre o IGF-Rio ainda pode render boas reflexões*. Em linhas gerais, penso ser lastimável que um processo que se propõe a debater a governança da Internet faça um uso tão pobre dos recursos da própria rede, a começar pelo site oficial(!).
Icann takes a very big small step - My Heart's in Accra
O IGF deveria privilegiar a interação em rede, retirando a ênfase no encontro presencial anual -- uma ostentação ridícula -- e ativando uma permanente colaboração online. Mas enquanto o custo de um coffe-break básico do IGF-Rio pode significar a sustentabilidade de um servidor web ativo na rede por um ano -- ou, quem sabe, uma tela extra para a projeção da participação remota no salão do evento, a coalizão dinâmica de colaboração online (OCDC) teve a sua página wiki desativada por depender do bolso de um de seus membros para se manter online.
Como última observação, confesso que fiquei espantado com a falta de visão de alguns dos nossos colegas, Skywalkers tardios e demodês que ainda acreditam na relevância dos fóruns restritos com seus bastidores mesquinhos. Perderam a oportunidade de se plugar na dinâmica e diversa cultura de uso da rede, que emerge a cada dia de suas pontas. Este é, a meu ver, o verdadeiro tema, objeto e finalidade de qualquer projeto internacional de governança da Internet.
Foto de Vitor Cheregati: Papo sobre internet, governança, propriedade intelectual, desenvolvimento e futuros possíveis durante o IGF Paralelo, no Circo Voador, Lapa, Rio de Janeiro. Presentes os Ministros de Estado Gilberto Gil e Mangabeira Unger, o Vice-Governador do Estado do Rio Luiz Pezão, Ronaldo Lemos do iSummit e FGV, moderados pelo animador de políticas digitais do MinC, o legendário Claudio Prado.
(*) O conteúdo de vídeo das 'main sessions' do IGF-Rio tem alguns bons trechos que mereciam destaque. Se alguém tiver a manha de baixar os arquivos, entro na colaboração para fazer uma edição legal para colocar no youtube. Interessados podem se manifestar nos comentários. Alô turma do Circo...
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