Estive novamente em Recife para participar do último da série de eventos do programa Cultura & Pensamento 2006, dessa vez um fórum de debates sobre 'Organização Colaborativa da Produção e do Conhecimento - a cultura das redes de informação compartilhada'.
Para mim foi uma novidade pois pela primeira vez participei como moderador em dois painéis, e como colaborador participante do evento fiquei bem satisfeito com o nível do debate e com a participação do público presente à Livraria Cultura no Paço da Alfândega no dias 26 e 27 de fevereiro último.
O evento aconteceu como uma reflexão sobre o próprio Cultura & Pensamento em sua potencialidade / capacidade de difusão em rede, pois desde sua concepção o programa trazia como idéia estruturante alargar o alcance dos debates propostos com o auxílio da web. Apesar das iniciativas de difusão dos debates presenciais através de webcast, disponibilização do registro integral do áudio dos eventos em arquivos mp3 (agora também vídeos), e da criação de foruns eletrônicos no site do Programa, o nível de participação não atingiu os níveis desejados. A meu ver, nada mais adequado do que induzir o C&P a curvar-se sobre si para avaliar e debater como melhor aliar a cultura das redes à realização de seus objetivos.
O primeiro painel, onde pude coletar anotações, reuniu Eugênio Bucci (Presidente da Radiobrás), César Bolaño (UFSE / Revista Eptic), Giuseppe Cocco (UFRJ / Universidade Nômade / Revista Global-Brasil) e André Lemos (UFBA / Carnet de Notes), teve como tema Produção, reprodução, interferência e consumo virtual, e contou com a moderação do colega Afonso Luz. Bucci saudou a iniciativa do MinC em realizar o C&P, pois só mesmo quem atua dentro do governo tem noção dos obstáculos burocráticos para se concretizar projetos que fogem ao padrão da ação chapa-branca. Arriscou filosofar em torno do tema do painel, destacando a influência que o 'real-time' da rede tem desempenhado na alteração da noção corrente de tempo, declarando que 'o tempo é uma construção da história. Expressou seu espanto com a revolução pela qual estamos passando, a qual 'estamos enxergando através de lunetas', e destacou que neste momento 'as tentativas são mais importantes que os resultados'. Aproveitou a ocasião para apresentar as inovações implementadas no site da Agência Brasil, que é hoje, sem dúvida, a agência de notícias online que melhor utiliza as novas ferramentas da web no país.
Cesar Bolaño apresentou-se como participante do C&P na categoria 'periódicos eletrônicos', pois sua Revista Eptic encarregou-se de produzir o 'Dossiê Especial Cultura e Pensamento', e obviamente também destacou o papel do programa para a 'socialização de um debate que, em geral, fica restrito às suas próprias redes'. Empenhou-se também em apresentar a necessidade de se realizar uma profunda crítica da economia política do conhecimento atual, onde enxerga o capitalismo atingindo limites em sua efetividade em um momento em que o jogo político e econômico torna-se mais complexo. Como defesa, o sistema estaria gerando uma reformulação na lógica de direitos de propriedade intelectual vigente. Segundo ele, 'na impossibilidade de alavancar mudanças de caráter progressivo, o sistema passa a desenvolver formas regressivas de organização social'. Em síntese Bolaño criticou a supervalorização da revolução das redes, afirmando que uma inovação tecnológica por si não alavanca a liberalização.
Giuseppe Cocco, como era de se esperar, sentiu-se ao mesmo tempo instigado pela abordagem de Bucci sobre a subjetividade do 'tempo' e provocado pela abordagem marxista clássica desenvolvida por Bolaño. Reforçou a tese da mudança de paradigma, onde ocorre 'uma heterogeneidade dos tempos, que não são lineares, não é mais o tempo dos relógios, e nem o tempo do poder e do capital', e criticou o uso de antigos conceitos para analisar novas ocorrências históricas. Mencionou a crise da representação (schwazenegger, berlusconi, maluf e clodovil) e buscou demonstrar a transformação das estratégias do poder para capturar as dinâmicas de liberação. 'Não há mais separação entre a vida e o trabalho, entre a produção e o consumo, a mais valia não existe mais, e não há perspectiva de futuro para o trabalho assalariado: o que se acumula agora é a forma de vida, o excedente de ser'. Sua argumentação chega à conclusão de que 'a condição de se construir o espaço comum onde a vida não seja capturada é a remuneração da própria vida enquanto tal'. Segundo Giuseppe Cocco, nesta abordagem, direita e esquerda tem apresentado o mesmo discurso pela manutenção do paradigma de uma sociedade salarial.
André Lemos em sua apresentação tratou de trazer o discurso das alturas filosóficas para o mundo da vida: 'somos seres do discurso, o homem se define por seus artefatos de comunicação'. Neste sentido lançou um modelo de classificação destes 'artefatos' que fez sucesso no evento e foi repetidamente citado nos painéis posteriores: 'massivos' e 'pós-massivos'. Enquanto os meios massivos (nossa conhecida mídia tradicional) informam e são fundamentais para a constituição da esfera pública, as funções pós-massivas exploram 3 dimensões: (1) liberação da emissão; (2) compartilhamento, web 2.0; (3) transformação, reconfiguração e remixagem. Lemos destacou também que os processos sociais são os principais eventos da nova mídia, 'não o livro eletrônico, mas o livro que vai circular além de limites anteriores -- como a biografia não autorizada de Roberto Carlos'. Segundo Lemos, o consumo na rede sofre inúmeras transformações pois o produto passa a ser algo modular, criando remanejamentos infinitos. 'O consumo não é mais consumo, pois o produto não mais se extingue com o uso -- ao contrário o produto tende a aumentar seu valor exatamente pela sua circulação'. O desafio no momento é pensar a função pós-massiva, e adaptar as teorias da comunicação de massa para analisar os novos elementos da ecologia da mídia.
O debate final ficou bastante polarizado entre Bolaño e Cocco e suas distintas abordagens sobre a análise marxista da história. O primeiro afirmou existir um mascaramento, uma aparência de liberdade na rede que oculta o processo de concentração de poder, e considera 'uma ilusão imaginar que a TV que iremos produzir amadorísticamente na rede irá causar qualquer problema à Rede Globo'. Ilustra sua afirmação com o dado de que apenas 5% dos blogs concentram 90% dos acessos. Giuseppe rebateu lembrando que o fenômeno do software livre, fator viabilizador da web (e do próprio Google) em termos de infra-estrutura, não é de forma alguma uma construção teórica -- aconteceu, continua acontecendo, e esta fazendo história. Eugênio Bucci suavizou o debate afirmando que 'vivemos hoje uma concentração de temporalidades', onde 'o tempo do salário ainda existe, e convive com outros, inclusive estes onde acontecem o casamento de direita e esquerda e no paradigma onde se encontra produção'. Apontou também a contradição de termos a sensação de uma pluralidade crescente de centros de emissão, e por outro lado observarmos uma concentração sem precedentes dos meios pelos quais isto acontece. Bom debate... o tempo foi curto.
Nos outros dois paineis, 'Blogosfera e Jornalismo Cidadão' e 'Gestão de Redes Digitais de Colaboração', atuei como moderador e portanto vou aguardar a publicação do áudio (ou vídeo) pela turma do C&P para poder recuperar o que se passou. No painel 'Autoria Individual e coletiva / A web e o saber compartilhado' exercitei minha veia audiovisual brincando com uma mini-dv emprestada por um amigo, e depois 'brinquei' de editar as imagens que consegui capturar. Apresento o resultado abaixo em nome da 'cultura das redes de informação compartilhada', pedindo aos colegas que relevem o amadorismo do resultado. Vale à pena conferir a apresentação da Heloísa Buarque de Holanda sobre o papel do autor através da história.
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