Recentemente fui contactado pelo pessoal do CDI de Campinas (SP) para participar, no próximo dia 27/03, de uma mesa de debates no 3. Simpósio de Inclusão Digital sobre o tema Governança da Internet e Direitos Humanos. Avaliei que informações sobre a minha participação no Internet Governance Forum (IGF) em Atenas em novembro passado poderiam ser uma boa colaboração ao debate proposto, principalmente pelo fato de ter representado o ministro Gilberto Gil no Workshop Internet Bill of Rights. E fiquei especialmente animado em poder abordar as possibilidades de participação ativa dos coletivos de ativismo digital brasileiros na próxima edição do IGF entre os dias 12 a 15 de novembro deste ano, no Rio de Janeiro.
Entretanto, confesso que tenho tido pouco tempo para refletir sobre a melhor abordagem a apresentar no evento, e hoje, no meio do expediente no ministério, fui surpreendido por um telefonema da rádio CBN de Campinas para uma entrevista ao vivo. Assim assim a repórter já mandou a pergunta: "como a questão da governança da Internet interfere com a inclusão digital?"
Eu cá comigo, em meio às limitações orçamentárias que sistematicamente tolhem o alcance de programas importantes de apropriação de tecnologia do MinC como o 'Cultura Viva', busquei ali no calor do momento uma correlação interferente da governança da Internet no dia-a-dia do front da inclusão digital conforme o encaramos aqui no âmbito da cultura. Acabei respondendo de bate-pronto, meio à contra-gosto (pois a pergunta merecia maior reflexão), que não identificava uma 'interferência' direta da governança da Internet nos processos de inclusão digital.
A repórter insistiu no questionamento: já que eu iria participar de um evento sobre inclusão digital, em um painel sobre governança da Internet e direitos humanos, ela queria saber de mim como "o fato da Internet ter um dono" pode se constituir em obstáculo para a inclusão digital. Mais uma vez me pareceu que eu não tinha resposta para o que estava sendo colocado pela repórter, mas desta vez ficava claro que a indagação partia de uma forte premissa conceitual com a qual eu absolutamente não concordo: a de que a Internet tem dono (sobre isto, veja 'World of Ends', ou o 'O Mundo de Pontas').
O meu desconforto ao final da entrevista me levou a sentar para escrever este post, que serve como ponto de partida da reflexão que espero estar levando para o painel no próximo dia 27 em Campinas. A origem do mal estar deu-se exatamente porque considero absolutamente pertinente o debate da governança da Internet no âmbito dos movimentos de Inclusão Digital, ao contrário do que minhas respostas à repórter da CBN podem levar a crer. Mas discordo da abordagem que, à priori, busca identificar no que se convencionou chamar 'governança da Internet' obstáculos ou, mais precisamente, adversários aos movimentos de Inclusão Digital. De onde observo, enxergo diferente: a governança da Internet constitui o conjunto de acordos e consensos internacionais para a resolução de problemas e /ou gerenciamento de novas situações globais criadas pela Internet.
Quando estava ainda em Atenas participando do IGF, fui contactado pelo Carlos Yoda da Carta Maior com algumas perguntas sobre o evento. Acabei blogando a íntegra das minhas respostas, que resultou depois em uma matéria bem documentada e interessante, mas com um título peculiar: 'Fórum cede a pressões e gerenciamento da rede fica fora da pauta'. Minha observação em relação ao título ocorre porque a matéria é bem ampla, enfocando vários aspectos do tema específico e também do evento, o qual explorou formas inovadoras de promover o debate presencial. No entanto, o título fixou-se na visão reduzida do 'gerenciamento da rede' -- que estratégicamente enfatiza a pressão à favor da internacionalização da função hoje desempenhada pela norte-americana ICANN. Ao refletir sobre a pergunta feita hoje pela repórter da CBN não posso deixar de identificar um certo padrão na abordagem da mídia sobre o tema.
É importante esclarecer que não é minha intenção desmerecer a luta pela internacionalização da instância (ICANN) que estabelece as regras de uso e distribuição de protocolos IP -- front no qual, diga-se de passagem, nós brasileiros somos ponta de lança --, mas ao reduzir o debate da governança da Internet a este aspecto sinto que estamos ao mesmo tempo politizando em demasiado e também restringindo um debate que de outra forma é extremamente rico e produtivo. A experiência do IGF em Atenas provou que ao promover um fórum aberto, heterogêneo e não-hierarquizado para o debate sobre políticas públicas para a rede global, temas variados emergiram naturalmente: custos de conexão, spam, multilingualismo, censura, cybercrime, cybersegurança, questões de gênero na rede, privacidade e proteção de dados, padrões abertos, liberdade de expressão, direitos humanos, direitos autorais, etc. Todos os temas tem interface com os processos de inclusão digital, e a premissa de que 'a Internet tem dono' não nos ajuda a compreender as nuances que cada um dos temas apresenta em suas peculiaridades regionais.
A questão do 'acesso à rede', por exemplo, em minha opinião é mais importante e urgente que a internacionalização da ICANN -- ou de se entrar no mérito conceitual de quem é 'o dono' da rede. Na prática significa conceber e implementar modelos econômicos e tecnológicos para promover o livre acesso de cidadãos dos países em desenvolvimento à rede -- algo que estamos chamando aqui no MinC de 'Política Pública de Banda Larga'. Apesar do destaque que o tema recebeu nas conversas em Atenas pouco se avançou em termos de soluções viáveis, e confio que o IGF Rio 2007 pode ser palco de avanços mais significativos.
Por outro lado, pude observar em Atenas que um enorme contingente de representantes nacionais, especialmente de países africanos, estavam simplesmente encantados por terem a oportunidade de conhecer alguns kits anti-spam básicos. Os colegas relataram sobre o pouco tempo de conexão (lenta) de que dispõem para acessar seus e-mails (praticamente o único recurso que usam na web), e como os minutos preciosos que perdem baixando spam praticamente inviabiliza o uso da rede. Ou seja, até que ponto a ênfase ou redução da questão da governança da Internet ao /no processo de internacionalização da ICANN pode suprimir o fértil e diversificado debate que o mundo deseja ter sobre a rede e suas variadas implicações técnicas, sociais, culturais, econômicas, etc., nas mais diversas regiões do planeta?
O debate sobre este tema é da maior importância para nós, especialmente porque vamos abrigar a próxima edição do IGF em novembro deste ano. Existe já uma grande expectativa internacional sobre o evento com base no sucesso da edição em Atenas, e vale à pena conhecer e acompanhar as chamadas 'coalizões dinâmicas' (GTs temáticos) que lá se formaram e estão em atividade. O aprofundamento deste estudo pode fundamentar propostas concretas para a edição do evento no Brasil, e acredito que a partir daí poderemos articular e integrar ações locais conjuntas que irão efetivamente contribuir para tornar o IGF Rio um marco na evolução da Internet como um bem global comum. Está em nosso alcance.
De fato, gostaria de ter outra oportunidade com esta repórter da CBN... Caso estejam em Campinas no próximo dia 27 e se interessem pelo tema, apareçam.
PS: Para os interessados em acompanhar o processo do IGF, recentemente (13/02) foi realizada uma reunião em Genebra para avaliar aspectos positivos e negativos do evento em Atenas, o que significa subsídios para a definição da programação do IGF Rio. A transcrição da sessão, a íntegra e a síntese das colaborações, além de formulário online para captação de novas colaborações são boas referências e ferramentas para a participação efetiva. Outros links interessantes aqui e aqui.
Na rede
quinta-feira, março 22, 2007
Governança da Internet e Inclusão Digital
Postado por Unknown às 19:52
Marcadores: governança, icann, igf
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