No primeiro encontro direto e oficial de Barack Obama com o público da Internet após eleito, evento que ele chamou de ‘online town hall‘, cerca de 93 mil pessoas submeteram 105 mil perguntas sobre o tema da vez: a economia. Para selecionar as questões a serem respondidas pelo presidente, o site do evento recebeu mais de 3.6 milhões de votos, e grande parte destes votos estavam relacionados à legalização da canabis.
A questão formatada para ser respondida por Obama no tema foi se a legalização da canabis poderia se tornar um elemento de auxílio na recuperação da economia do país. Não passou desapercebido na rede o comentário inadequado do presidente, que com um sorriso irônico disse não saber ‘o que a pergunta poderia revelar sobre a audiência online‘. A gracinha provocou risos contidos no público presente (veja vídeo), e na sequência Obama foi categórico ao dizer que não acredita ser a legalização da canabis uma boa estratégia para a recuperação da economia norte-americana.
A postura irônica de Obama frente à surpreendente mobilização dos ativistas da legalização da canabis logo no seu primeiro experimento de diálogo aberto na rede gerou reações interessantes na mídia e nos blogs. Alguns chegaram a indicar uma ‘captura indevida’ do processo colaborativo pelos grupos anti-proibicionistas, mas vozes influentes da web como Andrew Sullivan, do ‘Daily Dish‘, criticaram o presidente por tratar o tema da proibição como se uma brincadeira fosse.
Um artigo na revista Time (”Why Legalizing Marijuana Makes Sense“) chama a atenção para o fato de Obama ter alimentado, com sua ironia, a hipocrisia que domina o debate. O sentimento geral é de que foi desperdiçada uma boa oportunidade de dialogar criativamente sobre uma política pública que precisa ser reformulada.
O Jeff Howe, da ‘Wired‘, destacou em post (’Crowdsourcing and the President: A Failed Marriage?‘) a reverberação negativa do ocorrido na rede, e chamou a atenção para a inadequação do modelo de interatividade proposto (’idea jam‘) para esta primeira experiência. Segundo ele, ‘idea jams‘ são realizadas para prospectar questões (idéias, soluções) marginais ou periféricas, que então são tornadas visíveis e dessa forma discutidas e processadas pela rede.
Trata-se de uma estratégia utilizada por empresas, e um caso lembrado foi o ‘Idea Storm‘ da Dell, que em suas primeiras edições foi devidamente ‘capturado’ pela comunidade open source que sugeria (insistia) no lançamento de uma linha de computadores com Linux. Howe conta que estes ‘hackers’ foram à princípio tratados com desdém pela empresa, mas hoje a Dell produz um linha de máquinas Linux com destaque no mercado.
O que parece ter faltado a Obama é capacidade de processar devidamente as revelações de sua primeira rodada de ‘crowdsourcing‘. Se a idéia era apenas permitir a livre expressão dos cidadãos, então ok. Mas se a proposta é envolver este público em um debate nacional, que possa influenciar na formulação de políticas públicas, o presidente terá que evoluir bastante em seu entendimento de como o conhecimento, as opiniões, e a sabedoria popular podem ser coletadas na rede. Deveria, por exemplo, reativar a possibilidade dos usuários comentarem as idéias dos outros, recurso fundamental do modelo de ‘Idea Jam‘.
Para o movimento anti-proibicionista, fica a impressão de que presidentes investidos em seus mandatos parecem responder a motivações superiores quando o tema é a legalização das drogas. Neste sentido, o Aaron Houston, do Marihuana Policy Project (MPP), mandou bem (veja vídeo) ao declarar que os bilhões de dólares que circulam no tráfico da canabis estão diretamente ligados à ’surdez’ das autoridades constituídas frente às demandas pela legalização.
A realidade tem demonstrado que presidentes nunca são favoráveis a uma mudança na leis que criminalizam usuários de drogas durante seus mandatos. Mesmo aqueles que fumaram e tragaram (ou não), e ainda outros que se mostraram favoráveis à legalização enquanto candidatos. De fato, aqui na América Latina, a onda é ex-presidente vir à público para se manifestar sobre a óbvia necessidade de mudança na abordagem do tema.
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